Por Edmilson Siqueira
segunda-feira, 27 de maio de 2024
Jobim com sotaque português
sexta-feira, 24 de maio de 2024
Alma, calminha. Ainda não é hora de partir
Por Ronaldo Faria
Sentado no bar besuntado de gorduras que flutuam no ar vindas da cozinha, Múcio levanta o dedo e pede outra gelada. Arcada em seus pesos e pesadelos, pródigos reveses da vida, a moça da mesa defronte ergue a fronte e lhe sorri. Ela está só. Seus dentes brancos, seu ventre ancho, suas ancas desprovidas de falta de vida, libertas ao amor, estão abertas em frestas que afrontam o torpor final. Certamente a mente do homem irá fazê-lo na madrugada acordar a beijar orelhas inexistentes com seu membro a brincar de inchar.
Valêncio, ser onde valer na vida já é o bastante que o tanto se proseia, segue a se desvencilhar dos faróis dos carros, das amarras da vida, das feridas que conseguiu em cada canto do labirinto que construiu pra si. É um famélico amante, arfante, dissonante, benfazejo de um destino inconformado consigo mesmo. Sabe que daqui à frente não será muito, no nada que será. Mas, sobrevivente da incerta finitude, tem só uma derradeira atitude: nos passos em descompasso se fará cair calado na voz da paixão.
(Ao
Fagner)
quarta-feira, 22 de maio de 2024
No baleiro do Zeca o sol derrete a vida
Por Ronaldo Faria
Maria anda de sombrinha na rua de paralelepípedos que fervem sem modéstia à parte e esquenta as partes que se escondem na saia bordada de flores que pedem água. Ela, na soberba de ser um ser relutante e frágil, fugidio, quer apenas que a noite chegue logo. E, quiçá, traga uma chuva, mesmo dessas que só molha e nada umedece. Para ela, a padecer feito a virgem senhora e mãe de Jesus, o reflexo nos olhos que de verdes trazem mais dor ao olhar são o fim que ninguém merece. Constrita, pede que o mar vire o sertão e o sertão vire um mar, como previu o louco conselheiro Antonio. Pede, mas não crê no milagre.
O calor é tanto que o vinho já é servido como vinagre. E as hordas de larazentos seguem o caminho a deixar seus pedaços nas pedras que brincam de ferir os pés já feridos pela incerta e precisa morte de logo mais. Trazem bandeiras coloridas, seus sinos a mostrarem a chegada antecipada para as boas almas deixarem pratos de comida, suas realidades que nunca serão devolvidas nas chagas e feridas. Nalgum lugar, entre neves brancas e nervos retesados de frio, certamente o afago da mão de uma mãe. Mas, daqui, o pé que há muito não dá um caqui conta suas últimas flores a cair. No universo, Fênix despenca, no clímax, a rir de si.
terça-feira, 21 de maio de 2024
Fakes na MPB
Por Edmilson Siqueira
Tudo mentira. Ou fake news, como se passou a dizer. E eu ouvi essa história de outras pessoas também, que acreditaram piamente nela. Eu duvidava porque, como jornalista, tenho o hábito de ler muita coisa que sai na imprensa e um fato como esse, a perda da filha de um artista que viria a ser famoso, é fato que viraria notícia. Como nunca tinha lido na imprensa séria, duvidei sempre. Aliás, esse é um comportamento que mantenho até hoje, quando o império das fake news domina as redes sociais, mantido por falsificadores de fatos com interesses escusos. Se não saiu na imprensa séria, duvide.
Até que um dia, visitando a página do artista, estava lá um desmentido completo, assinado pelo próprio Djavan. A música Flor de Liz era inspiração pura, própria de um artista talentoso, como muitas outras que fizeram tanto sucesso na voz do cantor.
Muito antes até da existência do computador, mentiras desse tipo, já corriam o cenário musical brasileiro. E havia artistas que, malandramente, se aproveitavam delas. Carlos Imperial, uma mistura de empresário artístico e malandro, que jamais foi compositor, tem seu nome em alguns sucessos da MPB, como "A Praça" e até um samba com Ataulfo Alves - "Você Passa e Eu Acho Graça". Claro que ele não compôs nenhum dos dois. No caso de "A Praça", grande sucesso na voz de Ronnie Von, ele deve ter comprado de alguém, mas, como conhecia os expedientes para fazer mais sucesso, ele mesmo disse que contratou dois rapazes para sair por aí dizendo que a música era deles. Só que, além dos dois, apareceram outros também, talvez os verdadeiros autores entre eles... Enfim, Imperial era sinônimo de trambicagem, ou de pilantragem, palavra da moda nos anos 70 do século passado, consagrada pelo grande Wilson Simonal em suas músicas.
Já o samba com Ataulfo era um notório caso de compra de parceria para abrir caminho no mundo fonográfico e radiofônico da época. Era, não sei se ainda é, um fato corriqueiro. O próprio Ataulfo admitiu que fez o samba sozinho e colocou Imperial como parceiro.
Outra fake news que a direita raivosa (existe a esquerda raivosa também e ambas são desonestas iguais) andou espalhando por aí, foi sobre Chico Buarque. Claro que o ódio da direita contra Chico é motivado pelas posições políticas do moço. Eu, que não concordo com elas e jamais odiaria o Chico por isso, separei o joio do trigo: desde que Chico subiu no palanque para apoiar Orestes Quércia para governador de São Paulo, não quis mais saber de suas opiniões políticas. Mas, claro, sua fantástica obra musical não pode ser misturada com seus esquerdismo. Continuei fã do artista e sempre considerá-lo-ei um dos grandes da MPB, ao lado de Jobim, Pixinguinha, Noel, Ari e outros.
Só que Chico, num trabalho para a televisão sobre sua vida - que virou uma coletânea de 12 DVDs - fez uma brincadeira no estúdio durante uma gravação e ela foi inserida em um dos DVDs. Nela, Chico brinca com os músicos que estavam com ele no estúdio, dizendo que tinha poucas músicas no momento porque seu fornecedor estava cobrando muito caro e ele estava sem dinheiro. E até deu um nome árabe para o "compositor" de quem ele comprava as músicas.
O trecho foi destacado do vídeo e começou a percorrer as redes sociais como se verdade fosse, com um título do tipo "Chico é desmascarado...". E, pior, teve gente que acreditou que um árabe era o autor de todas as músicas do Chico. O vídeo deve estar por aí ainda, usando o que é uma brincadeira para propagá-la, desonestamente, como verdade.
segunda-feira, 20 de maio de 2024
Cassiano Ricardo, nem sei lá porque lembrei, mas é musical
Por Ronaldo Faria
Cassiano, que sequer sabia que a palavra cápside existia, não tinha métrica ou nada que fosse forma tétrica ou esotérica para se fazer. Nem destinatário tinha. Mas quem, em vida, o tem? Diante do cemitério próximo, o óxido que se fará coisa solúvel se calor e umidade forem a melhor maneira.
O que sobrou? Saudade das terras corridas, carcomidas pelo tempo, fugidas entre dias corridos, chegadas e partidas. Para Cassiano, dramático e atávico ser, o agora não era ágora ou nada a dizer. Somente saudade, dessas que a vida não dá cria. Que o coração sentencia para a prelazia do coração.
Cassiano, mero ser a ser em si, é um transgressor do destino, desses malucos que acreditam que o sonho irá se sobrepor aos pesadelos sem zelo que chegam nas noites, sejam elas de inverno ou verão. Na besta certeza de crer que o desejo um dia será dia e noite, o açoite que bate sem dó no corpo.
Na rede que se arma na vida para o mundo parar, a paralisia que o amor, desse que nunca se deixa de amar, traz os pés para o chão, de antemão. Na extrema vazante que a seca deixa o rio seco de areia branca, o desejo que se sabe entre a poesia e a realidade. Uma coisa a querer na infância desmedida de crer.
E Cassiano ouve do boiadeiro um vamos voltar ao passado, rever memórias e histórias, passos inexistentes, mesmo que se tenha plantado à espera de décadas atrás. Quem sabe carros de boi com sabugos de milho vermelho, redes no alpendre que alguém morrerá, inertes rimas a saborear a falsa imensidão.
sábado, 18 de maio de 2024
No Tom do Zé mais uma vez
Por Ronaldo Faria
Cármino, que uma Carmen deveria ser a ópera grandiloquente de uma operação tardia a deixar o órgão maior gangrenar, estava a inventar sua própria história, a reinventar o destino. Mas não há como ir muito longe ao alforje que o cavalo manco carrega no inferno de um inverno inexistente. Premente, a incerteza bastarda da partida se faz ouvida ao longe pelo aboiar calado que o galopante infante desperdiça de estar ao lado da amante, aquela que, nem ele, é uma reticencia que a ciência da vida já fez cavalgar na areia fina de um mar e amar nas madrugadas tragadas de alegrias que as alergias vazias nem sabem existir. No premir do futuro, o furo que há entre o mundo e a espera. Quem sabe a vida não se fará numa maternidade distante, na verdade parteiros casuais que nem sabem o que são amores feitos numa quinzena de cidades e dias em fervor. Assim esperemos entre ensimesmada saudade e a querência que só amor sabe escrever e descrever em linhas desalinhadas no seu torpor.
quinta-feira, 16 de maio de 2024
Tom Zé na furdência
Por Ronaldo Faria
Ninguém, na verdade, sabe como um pai e uma mãe põem o nome do filho de Furdêncio. Algo deve ter sido pra foder com a vida do rapaz. E o homem do cartório deveria estar nos dias de ligar um foda-se. “Querem essa merda, bosta seja feita”, pensou. Ele, o homenageado, sabe-se lá com o que, era operário de uma retífica. Mexia com motores, apesar de o seu estar na meia boca, quase parando. Seu amigo era Lupércio, da Silva. Apelido, Silva. Coisa sui generis, com certeza.
-- Furdêncio, você sabe que o dia seguinte é um maremoto quando a espuma da cerveja sobra além do explicável para a realidade... Haja ressaca.
Mas o operário cheio de questões e senões não está nem aí. O dia de agora foi de trampo além da conta diante das contas que estão sobre a mesa do barraco para pagar. “A tal de Serasa me salva desta vez?”– se questionava imperfeito e imprevisível. O importante não era o amanhã. Era o agora. A hora. A razão de viver os poucos segundos da tarde tardia. Acordara às quatro da manhã nas maltrapilhas horas da angústia e da sina. Pegou o trem da CPTM lotado como sempre, gente na frente, do lado e atrás de mais gente. Alguns já suados por antecedência. Outros a ressonarem como ninguém. “Pra puta que pariu nascer pobre”, pensou.
-- Furdêncio, você ouviu o que eu falei?
Silva era um chato bem aprumado. Crente da igreja de algum salvador da vida do pastor e da família e sua amante, ele acreditava que o importante era o instante da morte, quando encontraria o senhor a quem ele dedicou dízimos e crenças. Arrumadinho, indissolúvel na volatilidade da realidade, urgia de um porre redentor. “Senhor Manoel, traz uma água sem gás e natural” – pedia aos perdões para o dono do bar. A falta de uma exclamação na sentença já dá conta de quem ele era.
-- Silva, vai tomar no cu! Me deixa curtir minha vida medíocre e real!
No derredor de uma dor sem ninguém dar jeito, um fundo de bebida no copo reflete a cor que o sol brilha quente no logo depois. Não há como não amarelar sentimentos e se prostrar diante de si mesmo na busca volátil da felicidade que urge a pedir nova idade. Furdêncio, em sua imaginação que vaticina a sina dramática da apatia, projeta um futuro com salário melhor, uma mulher que fale igual a ele, um enredo de novela que o novelo da vida já diz degredado do destino.
-- Furdêncio, vou ter de ir. Tenho culto logo mais.
-- Vá com seu deus. Eu ficarei por aqui com meus demônios.
Na rua poeirenta sem a chuva que o céu faz questão de não dar, as pessoas se achegam ou se recolhem a depender de cada dor. Uma ou outra mulher cheirando a perfume performa com o corpo para garantir o almoço de depois e a janta acompanhada de um qualquer, a ser a si mesma, dona de seu corpo, seu desejo e querer. Furdêncio, sem saber que ele é que o coadjuvante da ação, acredita que o concreto de São Paulo deu um pulo na sua vida ávida de ser fina e bonita. Ledo engano. Cigano da felicidade, ele continuará a ouvir Tom Zé a dizer que “vendeu fiado pra Deus, vai receber depois da morte”.
No dia seguinte, um blogueiro barato e sem seguidores posta que um baiano morreu atropelado na esquina da Ipiranga com São João: “Ele parecia bêbado e a gritar que Furdêncio era o caralho. Que ele era um operário de motor a matar como uma motosserra as matas que escondiam sua quimera”. Na parada de sucesso, o DJ devaneia no verbo encarnado do sétimo dia.
quarta-feira, 15 de maio de 2024
Parceiros e parcerias
Por Edmilson Siqueira
Há parcerias, por exemplo, que o autor da letra nem conhece o autor da música. Foi o que ocorreu com Vinícius de Moraes, quando recebeu uma visita no camarim de um show com muitos artistas. Era Gerson Conrad, de um grupo novo, que nem gravação tinha ainda. Gerson, nervoso diante do poeta, pediu licença para mostrar uma melodia que ele havia feito para um poema do mestre e, claro, "se ele não aprovasse...". Vinicius quis saber qual era o poema. "Rosa de Hiroshima", disse Gerson. Os olhos do poeta brilharam: "Senta aí, mostra como ficou". Ao ouvir a pungente melodia, os olhos de Vinicius se encheram de lágrimas, ele abraçou Gerson e disse: "Meu filho, essa música será um grande sucesso". E foi mesmo, no primeiro disco do grupo Secos & Molhados, que Gerson ajudara a criar, e na magnífica interpretação do "crooner" Ney Matogrosso.
Chico e Jobim têm duas histórias boas. A primeira ocorreu com "Zíngaro", que Jobim havia feito e gravado com uma grande orquestra, numa igreja em Nova York. Ao fim da gravação, todos os músicos da orquestra, americanos, aplaudiram de pé o maestro pela beleza da melodia. Mas isso é outra história.
Acontece que ele deu a música pro Chico botar uma letra e, alguns meses depois (Chico era devagar às vezes), ele apareceu com Retrato em Branco e Preto. A bela poesia convenceu Jobim ao ouvi-la cantada pelo próprio Chico. No fim, o nosso maestro soberano só teve um senão com a letra: "Chico, o correto não é retrato em preto e branco?" Chico respondeu: "É, Tom, mas aí eu vou ter de mudar a letra e vai ficar assim: 'Vou colecionar mais um tamanco, outro retrato em preto e branco, a maltratar meu coração...'". Jobim achou melhor não mudar.
Outra música que Jobim deu a Chico foi Wave, hoje um sucesso mundial. Chico ouviu a música na casa de Tom e, antes de levar a fita embora, cantarolou pro Tom: "Vou te contar..." A primeira frase estava feita. Só que o resto demorou. Demorou tanto que Jobim, precisando gravar, fez o resto da letra, gravou e jamais deu parceria pro Chico. Numa boa, claro, pois o próprio Chico contou a história rindo e, com certeza, com saudade do parceiro e amigo.
Com o mesmo Chico, só que desta vez na companhia de Toquinho e Vinícius, ocorreu outra parceria curiosa. Estavam os três na casa do Chico e, ele e Toquinho estavam terminando uma composição. Assim que acabaram, mostraram pro poeta. Era Samba de Orly. Vinícius gostou da música, mas disse que a letra estava precisando de um "retoquinho". Os dois lhe deram a folha de papel com a letra que foi para um canto da casa. Voltou logo depois: "Só botei uma frase, no lugar de "pede perdão pela duração dessa temporada", mudei para "pede perdão pela omissão um tanto forçada". Os dois gostaram, pois era uma crítica mais explícita à ditadura militar que o Brasil vivia e da qual todos eles eram adversários.
Algum tempo depois, estão Toquinho e Chico no estúdio pra gravar o Samba de Orly. Estavam ainda ensaiando com o conjunto, quando o diretor da gravadora abre a porta e diz: "Para tudo. A censura cortou a letra, proibiu uma frase". "Que frase?", quiseram saber. "Omissão um tanto forçada não pode. Vocês têm de substituir". Chico e Toquinho se entreolharam e disseram que já tinham a frase reserva. Voltaria a letra original. Mas os dois resolveram avisar o poeta que a frase dele havia dançado. Toquinho ligou ali do estúdio mesmo: "Poetinha, a sua frase no Samba de Orly, a censura cortou". Vinícius ficou chateado: "Ah quer dizer que eu perdi a frase que botei?" Pois é, poeta, perdeu". Vinicius manteve a fleuma: "Bom, eu perdi a frase, mas não perdi a parceria, né?" Claro que não", respondeu Toquinho e ele e Chico mantiveram o nome do poeta como um dos autores da música. E fizeram o certo. A ditadura caiu, a censura acabou e a música foi regravada e é cantada por aí com a frase que Vinícius mudou.
terça-feira, 14 de maio de 2024
Gil a brilhar
Por Ronaldo Faria
Gil, me perdoa por te reencontrar (sacanagem porque nunca te deixei) desse jeito. É que os tempos estão parecendo novos a cada segundo. E o estão. Na verdade, o tempo está cada vez mais efêmero do que a um minuto atrás. “Ainda bem que dá pra cagar em casa sabendo da dificuldade de defecar num banheiro de bar”, diz Sinfrônio, anacrônico ser dos novos tempos. A ouvir Gil, no Gilberto aberto à imaginação, apenas podemos pedir boa noite para a noite que se aninha no céu que logo vai mudar. No copo vazio só resta um mísero restolho de ar.
sexta-feira, 10 de maio de 2024
Atabalhoado e sonoramente retardado
Por Ronaldo Faria
Celidônio, tristonho e bisonho ser apócrifo e insano, performático e atávico, catatônico e afônico palhaço, sabe que a ilusão de um teatro sem cortinas ou coxia nunca seria igual ou desigual. A felicidade, que foge a cada ano que a idade chega e se aconchega em nós, sobrevoa e voa feito avião carmim. O incesto presto e certo ignora a nora ou cunhada, sob a alcunha de doideira amalucada, que foi o desejo do louco que sobrevive ao próprio medo. No enredo ensandecido da trama carcomida, o inseticida que só mata as loucuras e mundos díspares que a bebedeira abre de xacras mil. No céu anil que já não há, o anel que o bedel de cortes antigas fez questão de apagar. Para Celidônio, o indômito bagaço de sonho num engenho.
quarta-feira, 8 de maio de 2024
Belchior de novo
Por Ronaldo Faria
Constantino, que tem nome parecido com quem sobreviveu ao apogeu de Constantinopla, relembra seu passado que houve (ou terá realmente havido?). Na foto 3x4, um fotograma que hoje já não há, o rosto que rompe têmporas e temporalidade. Tântricos desejos e benfazejos cortejos de nunca mais voltarão. No vão da saudade, a realidade que só a lucidez da embriaguez dá. E revolve tempos, resolve átimos da mente, mistifica o que o corpo físico não consegue recriar com a clareza da tela que está defronte dos dois amores mortos taciturnos e condenados a nunca retornar.
terça-feira, 7 de maio de 2024
Sergio Mendes, um perene sucesso
Por Edmilson Siqueira
segunda-feira, 6 de maio de 2024
Belchior forever
Por Ronaldo Faria
Mas, para ele, pouco ou tanto faz. Facínoras invadirão seus sonhos e pesadelos sem mazelas ou fábulas de aprendiz de sonhador que só quer um dia dormir em paz. Para Cândido Homero, o frescor de uma infância que nunca teve, a juventude partida entre a busca da sanidade e a idade que viria depois. A fuga constante da inconstância prematura, a sentença natimorta de saber que felicidade não há. A gargalhar nos frangalhos da emoção, ele caminha enquanto houver caminhar.
Nos dias de Cândido Homero, minutos nostálgicos e nevrálgicos, palavreados atávicos, metonímias que nem a rimas sabem o que são. Feito sermão de padre pedófilo, a oração que atabaques ecoam num espaço quente e enlouquecido de uma mulher de cabelos negros e longos, peitos grandes, ancas de dar bons filhos. E nunca mais. E o amor que se foi se evadiu e fugiu nos trilhos de trens que somem em ruídos ensurdecedores, fugas de amores e odores, lábios e crenças mil.
quinta-feira, 2 de maio de 2024
No concreto, de volta àquilo que crê-se seja concreto (a ouvir Tom Zé)
Píncaros.
Quais?
Fatais?
Hoje ou nunca mais?
Nos amemos?
Ou Amemo-nos?
Na esquadria do concreto, tanto faz.
Prosopopeias?
O que será isso?
O autor despirocou.
Há São João ou Augusta?
Súplica que haja.
Senão, não há razão de escrever.
Tesão?
O que é isso?
Ter o senão?
Viver o quão for?
Se este for ou não.
Cidade de concreto.
Dejetos a sorver.
Descobertas a viver.
Deus, se houver, salve São Paulo.
Onde vivem Severino e Saulo.
Suavemente, salvem-se todos.
Na Cracolândia, a Disneylândia do pó.
Armagedom do preto e do judeu.
Do pobre e do plebeu.
Do rico além da riqueza do judeu.
Réplica da tréplica que não há.
Varejo e venda sem cifrões.
Da mulher e do travesti da esquina.
Da sina que vem do Sinai.
Dos parques e parquímetros.
Botecos e meros afetos.
Artistas de rua e moradores que nem.
Viadutos e seres putos.
Milagres surgidos na sarjeta.
Mutreta de repassar o pó.
Mureta entre a riqueza e a pobreza.
À fome, cães e humanos mil.
Fodam-se os artistas da vida...
Jardins e vilas segregados.
Todos vilões em si.
Nuns os abastados.
Noutros os eternos chinfrins.
Chamuscados de poluição, beijam-se.
Parcimônias da amônia geral.
Filhos de uma mesma vida no fim.
Vilipêndios no sol a frigir.
Como meros fugitivos de si.
Na mesmice do bagulho carmim.
Crendice da chegança sem mimimi.
São Paulo será um por fim.
A comer milhares de reais.
A sorver o que há de mim.
Embriagado, tragado até o fim, faço-me sim.
E foda-se o restante que há.
No subterfúgio da vida, o que haverá?
Talvez uma esquina ou uma sina.
Mas quantas milhões existirão?
Na insônia da isonomia, o silêncio.
Num bar, o cliente chama o garçom Inocêncio.
Na sentença da demência, a clemência...
E ponto final, afinal..
terça-feira, 30 de abril de 2024
Gonzagueando
Por Ronaldo Faria
A terra carcomida pela vida e
a seca ressecam os olhos que sequer podem mais chorar. No lugar, a se largar de
solidão e remissão, beatas choram a morte como se a vida fosse algo a se
esquecer no limiar. A parir fetos natimortos, crianças que sorvem na farinha a
rinha que a vida dá como sabor, elas se vestem de negro e oram para um Deus que
se esqueceu de lá chegar. O padre, quando raro passa, raramente tem na Bíblia a
resposta pela dor que se segue e se firma. A fungar no cangote da próxima mulher,
o homem pouco se importa com a cria que no bucho venha se embuchar. Sobe e
desce, penetra e tira, goza feito sanguessuga e vai, no trote do cavalo sedento
de um poço.
No alpendre, a sonhar para além do sol inclemente que chega no chão e mata e destrói como fosse Hanói em décadas atrás, a morena olha para a distância que há entre o sanfoneiro embriagado e o luar brincando de iluminar mais que o lampião que morre em cheiros de querosene e findar. Quem sabe um vaqueiro não perderá uma rês ou reza por lá. E a porteira rangerá para o amado entrar. Seu nome será Severino ou Amadeu? Pouco importa. A porta estará sem trinco ou trema. Ele poderá entrar e saciar sua sede de água e amor. Na cama de lençol branco e quarado, o sangue estará pronto para ser derramado. Amanhã, no arado, o gado suará no seu eterno trabalho.
O enterro da Jacinta
Por Ronaldo Faria - Você só pode estar de sacanagem querendo que eu vá ao enterro da Jacinta. Sinto muito, mas eu é que não vou! - Mas, C...
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Por Edmilson Siqueira Sergio Mendes é, sem dúvida, o mais bem sucedido artista brasileiro no exterior. E não só nos Estados Unidos. Seus di...
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Por Ronaldo Faria O CD Cazas de Cazuza – A Ópera-Rock é de 2000. Dez anos após a sua morte, vítima da Aids. Dos discos que homenagearam d...