Por Ronaldo Faria
quarta-feira, 20 de dezembro de 2023
Mistureba na fila do Spotify
segunda-feira, 18 de dezembro de 2023
Sivuca e Rosinha de Valença
Por Ronaldo Faria
-- Vou lá no bar do “Esconde da Véia, Data Vênia”, tomar umas e algumas. Vamos.
-- Estou mesmo coçando. Estou nessa.
A tarde ardia e fervia. Pedia goles e goles, desses que embriagam até gaitas de fole.
-- Vá entender esse tempo...
-- Estão dizendo que é o fim.
-- Será? Se for, estamos umas duas dúzias atrasados.
A rua, cheia de mães que carregavam os filhos de volta pra casa, fervilhava de suor.
-- Você viu o Damião?
-- O que aconteceu com ele? Largou o Cosme?
-- Melhor: ganhou no bicho. Deu cobra na cabeça. Valeu sonhar com a sogra.
A risada dos dois irrompeu o lugar. Nas casas, cheiro de janta que ainda vai chegar.
-- Ô Seo Gumercindo, manda a que está nos trinques pro senhor levar!
-- E nada de lápis maluco, que marca duas no lugar de uma...
-- Isso. Só o tomado que entrar na garganta santa!
Sentados à mesa, feito senhores de seus destinos, vararam a quente tarde caída.
-- Porra, que bom que existe boteco no mundo. Não fosse, a vida entornou-se.
-- Sem dúvidas. Seca só no sertão. Seca de cerveja, nem com falta de oração...
-- Juntar dois em retidão é agradecer a Deus por tanta comemoração.
No derredor, o sol já foi dormir. Agora é convencer a lua a aceitar tal vastidão.
sábado, 16 de dezembro de 2023
Mestre Pixinguinha ao fundo
Por Ronaldo Faria
Na composição que rodava em trilhos velhos e dormentes, João se segurava com força para não cair a cada parada brusca. Se bem que, para ele, tanto fazia como tanto poderia fazer. Se caísse e quebrasse a cabeça ou um osso, ficaria encostado no INSS. “Férias, mesmo que hospitalizado”, até sentenciava. Mas, melhor não. “Os caras atrasam pra pagar e eu não teria como me virar.” No vagão, o crente demoniza a vida para conseguir um ou outro que quisesse comprar adiantado um lugar no seu etéreo e inexistente céu.
Ente ambos, uma estação carcomida na laje exposta de ferrugem. “Essa merda ainda dar última página em jornal”, resmungava o chefe da gare. Um ou outro vendedor do churrasco que teimava em miar cada vez que voltava para o fogo, a criança com o nariz a escorrer, o homem que dorme no banco a ressonar a vida que nunca terá. No lugar, bem longe do além-mar, Florípedes e João não sabiam sequer que um dia poderiam ser um só. Para emendar logo o fim, ela foi dormir e pesadelos ter (“se eu fosse Berenice ou Veridiana iria dormir como princesa”, ensejou) e João estava entre as vítimas fatais que passavam na roleta quando o teto desabou. Esse sequer pensou.
-- Eu falei, eu sempre falei que essa bosta um dia ia despencar – vociferava o funcionário da estação, cercado de repórteres a falarem da falta de planejamento e omissão.
quinta-feira, 14 de dezembro de 2023
Glenn Miller
Por Ronaldo Faria
-- Ouvi o murmurar de uma dama sexy?
José, que do outro lado do salão bebia um gim com tônica (com o gim dobrado e chorinho), chegou devagar à mesa onde Solange vivia seu mundo. Antes, ficara sem saber se devia ou não. “Melhor não me perguntar muito. O máximo será um não”, pensou. E lá estava. Ela era diáfana, como deveria, nos Anos 60, ser. Parecia nunca ter saído à rua quando os rios do sol teimavam em queimar as peles em orgia com o mar. Como uma deusa virginal, dessas que se pede de presente a Papai Noel no Natal. “E não precisa nem de papel especial. De pão ou de jornal já serve. O importante será o que está nele”, dizia.
-- Por acaso eu te chamei para vir aqui?
Solange, com um cigarro mentolado a adormecer em brasa no cinzeiro, olhou fixa nos olhos de José. No palco, a orquestra introduzia I an Sentimental Mood. O homem, após perder o chão de si, mal sabia o que dizer. “Quando uma dama está só, cabe ao cavalheiro ter a mínima compostura de saber se deve ou não importunar.” A frase serviu como um punhal no peito de José. Cravou tão fundo que qualquer coisa que dissesse seria em vão. Pensou em pedir desculpas mil, dar volta e mais outra meia e retornar ao lugar do qual nunca deveria ter saído. Mas, de repente, ouve descrente: “Puxe a cadeira e sente”.
Ficaram horas a conversar. Besteiras mil, como um ardil. Ouviram Over The Rainbow e dançaram colados Moonlight Serenade. Ao final de My Reverie estavam de bocas coladas, lábios perdidos em algum acorde que a orquestra tentava fazer dormir no sol que acordava entre um Cadillac estacionado irregularmente e Fuscas e Gordinis. “Casal, me perdoem, mas teremos de fechar. O comércio normal já está a abrir”, falou carinhosamente o garçom. Entre um cambalear ou outro, saíram mais felizes que trôpegos. Do céu, pássaros entoavam uma canção própria de verão. Quem o visse a dançar, diria: o amor está no ar.
terça-feira, 12 de dezembro de 2023
Doideiras do Spotify que saberemos onde irá dar...
Por Ronaldo Faria
sexta-feira, 8 de dezembro de 2023
Pedro Salomão 2
Por Ronaldo Faria
Horácio, quase patético como um ser que ama aquilo que é o antônimo antagônico no antropofagismo de cada um, vira e remexe seus salamaleques. Relembra do passado, transita entre a loucura e a lucidez. Na desfaçatez de um tempo onde o pouco era muito, cavalga na madrugada tragada de tragos e afagos múltiplos e místicos. Multiforme, numa metamorfose que nunca se faz ou se fez, vira um andarilho do Vale de Inês. Mas não era Cleonice a esperada? Como diz o ditado, a fila andou no desandar do pérfido andor.
Ignóbil sobrevivente de alguém vivente e breve, desses que conta os dias com ampulheta que nem areia tem, vai a bagunçar seus momentos que fritam em tormentos, esculhamba lembranças que se desdobram em torvelinhos. É apenas ele. Um pedaço de limiar de um em dois. Partido em décadas atrás. Na frase mal dita, maldita quiçá. Que fez e desfez a tez para um recriar de olhos que já não se enxergam, flácidas peles que brincam de vencer o tempo como as árias do compositor que não sabe diferenciar partitura de partida.
quarta-feira, 6 de dezembro de 2023
Dona Ivone Lara e a santa Iara
Por Ronaldo Faria
“Sorte ou morte? Onde existirá o limite que existe e define a definitiva e imprecisa lasca que há entre o trincar e o quebrar?”
Manduca se perguntava há algumas décadas como era estar e viver nesse vendaval que a brisa de fora não fazia nem pétala de roseira tremer e ser. Intransmutável, seu tempo corria milésimos que os anos vindouros ou findos não sabiam nem sequer contar. Os dedos das mãos eram poucos para recontar. No mar, longínquo e raso, apenas os tolos de amor morriam afogados a pedir por clamor. Marinheiros da tristeza e da solidão nunca viram seus barcos lá se perderem. As sereias, brejeiras e faceiras, sequer chegavam perto da areia. Sabiam elas que a poesia a tudo espanta, menos a dor. Em meio ao mundo, nascia nalgum lugar uma flor.
segunda-feira, 4 de dezembro de 2023
Com João Cavalcanti
Por Ronaldo Faria
Põe óculos, troca óculos,
ajeita óculos numa espera de ósculos que foram, vêm ou virão. Na poesia que
entardece, a noite aquiesce e se aquece. Na brancura da ternura da poesia ainda
não escrita, o imbróglio que se desmancha na mancha que não some entre sabões
em pó e um pós caminhar de estrada onde a terra sucumbe aos pés perdidos e
ardidos de sol, urdidos em lençóis. Entre a cama, o drama e a trama, Cesarino,
feito quando o vaqueiro, de facão ligeiro, rompe a carótida do bicho, se embrenha
feito vaca prenha que toma banho num poço qualquer à espera da cria logo
chegada. Nas letras da vida abstrata de quem trata as troças do mundo como um
vazadouro de vertedouros, sucumbe a si mesmo. A esmo, se esmera em aços que
brincam de brilhar em esmerilho. Parte de um todo que não tem início e nem meio
e nem fim, vive em parcimônia que cheira amônia. Sentencia e chantageia o
tempo, vive trôpego e banal como fosse marginal, desses letal ou/e coisa e tal.
Num aforismo que cabe num quadrilátero enfiado num triângulo que existe no retângulo
que a esfera faz, seguimos em rodopios e centenas de pios do pássaro preso na
gaiola de gravetos. Feito substrato de quem espera receber um trato, o tratado
do tempo que blasfema ao destino. Em desatino, uma tina de álcool se derrama à
madrugada concebida.
-- Que ideia mal concebida. Acho que a nossa cabeça está mesmo fodida.
domingo, 3 de dezembro de 2023
Doidivanas noitadas
Por Ronaldo Faria
O garçom pergunta solícito e amigável.
-- Por favor. É tudo fermentado, mas entre cerveja e vinho não há muito tratado.
A voz de Adamastor soa retumbante no salão.
Na fria madrugada tragada em si mesma, ensimesmada de tanta coisa para contar e escrever, a vida chega enviesada e formatada, onde ninguém poderá mudar. Mas o que é a vida? Entreouvida na contemporaneidade perdida, nada mais é do que segundos ungidos e múltiplos no girar de uma bola cheia de terra e água no universo a vagar.
Copos trocados, campesinos longínquos vibram pelo seu trabalho no Chile um reles notívago sorver. Ao derredor, haja dor e dormência, iníqua sofrência que só os anos de hoje trouxeram ao dicionário.
Adamastor, que se fosse música seria um adágio em mi menor, se é que isso existe, espera que a esfera que roda acima da sua cabeça vire algo como uma fera. E pule e pulule. O amanhã? Haverá? Em arabescos e afrescos, frágeis e fúteis lembranças adentram em sons vaticinais. Na vitrola, agora, Vinicius de Moraes. “Na noite, nos bares, onde anda você?” Senão, “a vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro na vida”. Desencontrado, o poeta profetiza a efeméride tardia e vadia. Nos próximos dias, saber-se-á, a vida entrará no seu quadrado.
sexta-feira, 1 de dezembro de 2023
Papo de poeta ou poetiza, no piano
Por Ronaldo Faria
-- Acho melhor que não.
-- Mas eu moro sozinho. É isso mesmo? Vai rolar só uns beijinhos?
Lívia, dessas mulheres que se pode chamar de lívida ou senhora de si, dá o ultimato: “Não. Te ligo”.
-- Tudo bem. Até quando der outra vez.
Na voz de Paulo, o pulular de quem não sabe sequer o que é parar de pular ou ulular. Perdido, liga o carro e arranca nas rebentações de além-mar.
-- Boa noite, senhor Jairo...
Em casa, Lívia, abre um vinho, liga a tevê e vê a derradeira ou próxima reprise que se antevê. Mulher plena, dessas que o poeta mais velho a colocará no patamar de deusa efêmera, não precisa de pênis, corpo peludo ou ser impoluto para viver. Muito menos emplastado. Dona de si, diáfana naquilo que o parnasiano mais tresloucado escreveria, apenas se basta. Na varanda, uma pomba dessas de varanda ou rua, troca suas penas.
-- E aí, Bastião, valeu!
Paulo chega ao apartamento apertado que algum deus lhe deu. Vai da entrada à sala e o quarto num segundo. Depois, mijar célere no banheiro imundo. Abre a geladeira e vê a cerveja derradeira. “Devia ter comprado mais.” Liga a televisão e desliga logo. No celular, o algoritmo diz que uma velha amada está a ligar. Desliga o aparelho, acende o cigarro e se põe a pensar: “Porra, a Lívia bem que podia querer topar somente poder vir trepar.”
Na cidade que é uma efeméride constante, inconstante em seu limiar, a noite percorre os corpos que acordados ou adormecidos fizeram o dia trilhar. Lívia e Paulo, acomodados no seu sonhar, são apenas sombra que a sinfonia noturna que se beija na madrugada singular faz e refaz para mais um redescobrir que a vida é um constante nunca chegar.
quarta-feira, 29 de novembro de 2023
Piano ao fim do álcool
Por Ronaldo Faria
Os poucos casais que ainda se postam nas mesas que ninguém mais quer limpar, descobrem que o gelo que virou água não irá se repor. Se ele conquistou ou não a amada, só a fada da foda noturna/madrigal/marginal irá dizer ou argumentar. Se ela conquistou o seu desejo só o bruxo do ensejo/sobejo/casual falará.
Na avenida que prenuncia um tanto de orgias e outros poucos ou muitos tantos de remédios para dores de ressaca, cabeça e tristeza, carros se volatilizam na poesia. Flanelinhas correm atrás dos trocados tresloucados que bêbados lhes darão. No orfeão da vida, premida e prenha, perdida, os faróis piscam como clamídias.
O último freguês abre a última garrafa. Seu ser solitário ultima o alvorecer encardido e vazio na cama que nem box é. Paga a conta e conta quantos passos dará até o seu lar. Alardeia, em devaneios, os meios que amanhã terá. Talvez uma vez irá esbarrar com o amor na rua, ou quem sabe um carro louco o atropelará.
À saída do resistente, o dono do bar cerra as portas. O pianista, vulgo artista, agradece. “Sobrou algo na cozinha?” – pergunta em voz rouca de quem cantou de Sinatra a La cumparsita. O cozinheiro diz que sim. Tem batata, arroz e algo chinfrim. No mundo que se esvai, o tempo agora apenas se distrai.
segunda-feira, 27 de novembro de 2023
Ao piano de todos nós
Por Ronaldo Faria
Um piano geme nos dedos
daquele que mal consegue beber o seu uísque entre uma música e outra. Que mal
fez quem tentou fazer da música o seu labutar? Poucos o ouvem. O som das mesas
é apenas gracejar ou conquistar o final e letal. Meio que esquecido num canto de
bar, adormecido e quase carcomido em teclas pretas e brancas, o piano gorjeia
notas musicais feito sinais que apenas o amor deixa fluir. Como beijos em
solfejos, peles nuas e suadas a se embrenharem nos lençóis que branqueiam o
negror que vem de fora. Como mãos de dois amantes, passeiam sem limites a um
lugar para chegar. Tocam seios róseos e brancos, olham olhos fechados ao
acalanto de um gozo seminal, sem embrenham em pelos engrenhados de barba e
cabelos genitais. No ar, As Time Goes By.
E o piano continua à espera da
mulher nua. Brinca de acordes (sem acordar quem já dorme), notas que denotam o
arfar de ambos, partituras dessas que se partem e desapartam brigam de pernas e
braços tentando o outro engolir e conquistar. Lá fora, o mar arrebenta a santa
água benta de sal e acreditar. Na janela cheia de maresia e poesia, insanas
paixões serão somente senões. Mas ficarão o calor dos dois, a doidivanas centelha
que o amor faz brotar em cada chegar. Quem sabe, na próxima tarde, o entardecer
não se faça somente saudade. Na aurora boreal, que nunca avançou um sinal sequer,
a mulher lambe o corpo do amado. Embrenhados em si, ensimesmados de um tudo
torpe e louco, apenas descobrem aquilo que o tempo soube em teclas de marfim
metamorfosear.
sábado, 25 de novembro de 2023
Na forrozada inchada de ciúmes paternais
Por Ronaldo Faria
A viola rasga o espaço que
está partido de risos branqueados das donzelas namoradeiras e rapazes
enlouquecidos pelos batons cor de carmim que bronzeiam os lábios a se conquistar.
Coitados, terão muito que esperar. Quem sabe a vida inteira. As meninas, embranquecidas
pelo pouco de sol imposto pelos pais donos de cintos às mãos e ciúmes atrozes,
apesar de suas artroses, sabem que dançar um forró colado é coisa que há de se
privar. “Painho, é só um chegar junto sem encoxar. É uma dancinha só.” Com
olhos vermelhos de aguardente e ódio pelo pequeno garanhão que quer chegar, o
velho, a mascar fumo de rolo e bater a espora no chão, só diz um simples e definitivo
não. “Esse bosta que vá carpir um terreirão!”
O violeiro, que nada tem com a
cena, chama o sanfoneiro pra ajudar. Aí a festa vira um festão. E as coitadas
das meninas, de pernas finas de tanto ficarem sentadas sem aceitar uma
dancinha, vão vendo o tempo passar até as dez da noite chegar. “Está na hora de
moça direita parar.” E lá se iam todas, com seus progenitores a ver uma
esperança feminina sucumbir. No salão ficavam os moçoilos prestes a buscar a
casa que queimava lampião com celofane vermelho ou o que desse para esquecer
mais esse sombrio viver. No palco, sem microfone ou infames, os músicos faziam
aquilo que podiam para deixar o dono do forró sorrir. No balcão, Zé Formiga
gritava que a pinga estava em promoção final. Era só achegar e tomar.
quinta-feira, 23 de novembro de 2023
Xangai e Elomar
Por Ronaldo Faria
Incelências se iluminam nos olhos das beatas que rezam com seus terços e véus. As velas a queimarem na capela cobrem de amarelo o tanto que parece e se enaltece negro nas roupas das mulheres com suas peles velhas e enrugadas. Andrajos, homens aboiam o pouco gado que sobrou e a seca ainda não levou. Vão devagar a divagar o despropósito que há entre o irreal e o ilógico. “Nascer pra quê?” - questionava Longuinho. Mas, no sertão da caatinga sem começo ou fim, senão, não há o que se perguntar.
Mas as rezas enraizadas como a última esperança de quem nem sabe o que é dança, saídas de bocas sem dentes e dentaduras, tomam conta do lugar. Próximo, um último poço d’água marrom encharca a cacimba. Gargantas carcomidas de nada esperam nadar entre barro e líquido qualquer. No curral, a égua prenha prossegue seu parto em dor. Ao longe, uma queimada traz de volta e mata a terra que um dia o santo prometeu. Tudo como uma viagem travestida de solidão e redundante solitário lumiar.
Em meio a tanto entremeio, mágica ilusão sonha em brotar do chão. Quem dera e quisera fosse como estrela que vem, brota, aparece e desaparece num céu sem fulgor. No lamento sangrento do porco que é cortado de facão na barriga, a fadiga do boiadeiro que espera que o dono da terra batize outro petiz. No fogão de lenha, o cheiro é de comida que não foi carcomida pela realidade que existe em chiste. No quadro final que nenhum pintor criará, o pouco que, como diria o louco, faz de tudo um lugar.
terça-feira, 21 de novembro de 2023
Malandragem grampeada
Por Ronaldo Faria
Geovenildo (mistura de Genoveva
de mãe e Hermenegildo de pai) cruzou o trilho do trem devagar. Na quentura do
Méier, era só uma rampa para outra. Coisa que até o Zé da Muleta Meia Boca conseguiria
como fizesse salto à altura em Olimpíada. Tinha acabado de arrancar dois dentes
no dentista paraguaio que atende num sobrado encarquilhado onde la garantía soy yo. Sob efeito da
anestesia e duas cafungadas, o caminho reto parecia chegada de barco em marina
cheia de maresia. “Calma que você logo chega lá”, dizia a si mesmo, nos tantos
mesmos de si àquela hora e altura. Vendedores de biscoito Globo e Chá Mate,
longe da praia, muambeiros com capa de celular e raquete de muriçoca,
trabalhadores cansados de ralar se cruzavam atabalhoados. Para Geovenildo, Gegê
ou Nildo aos íntimos, aquilo era um mercado persa. Ou será um persa em mercado
suburbano? Com esforço sobre-humano, chega ao ponto desejado. Por sorte, não
esbarra num despacho. “Porra, entrega pro santo agora não tem mais cachaça?”
Disperso desse mundo, não viu o malandro que corria com a garrafa debaixo do
braço. Pensou em pegar o frango, mas ele estava cheio de penas e bem mal
passado. Desistiu. “Esse deve dar dor de barriga e pouca sorte”, à conclusão
chegou.
Geovenildo, Gê ou Ni para os
mais íntimos ainda, pegou o primeiro trem que parou. Conseguiu ao menos subir,
meio empurrado pela massa e outro tanto pela sorte que Deus dá aos desvalidos e
combalidos, quiçá fodidos do mundo. De pé, seguro pelas outras tantas centenas
de passageiros nada fagueiros, foi de estação em estação. Engenho de Dentro, Piedade,
Quintino, Cascadura, Madureira, Oswaldo Cruz, Bento Ribeiro. Marechal Hermes e
Deodoro. No fim, não tem jeito. “Ô, meu irmão, acorda! Tem que vazar!” Geovenildo
desembarca da barca e segue pela passarela para chegar na rua. No centro
espírita perto o incenso corre solto. O atabaque ressoa e a Pombajira (diria o Houaiss)
gira sem parar. O cambono segura o refrão e Zé Pilintra dá risada. “Entro ou
não?” Batizado e confirmado no ambiente, decide ao menos bater a cabeça para o
santo. “O que não é mal feito, mal não tem.” Senta no banco de madeira, faz sua
oração e pede socorro. “Meu Oxalá, cuida de mim, que te peço tão pouco”. Sai de
lá meio torto e trôpego e serpenteia pelas ruas e ruelas, becos e biroscas,
pontos de venda de produtos importados de La Paz ou Bogotá. No céu, uma lua
redonda se faz rotunda para seu drama sem segunda sessão marcada e a cortina
voltar a fechar.
O enterro da Jacinta
Por Ronaldo Faria - Você só pode estar de sacanagem querendo que eu vá ao enterro da Jacinta. Sinto muito, mas eu é que não vou! - Mas, C...
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Por Edmilson Siqueira Sergio Mendes é, sem dúvida, o mais bem sucedido artista brasileiro no exterior. E não só nos Estados Unidos. Seus di...
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