terça-feira, 26 de novembro de 2024
O melhor de Nina Simone
segunda-feira, 25 de novembro de 2024
Cadeiras na calçada a ouvir Amelinha
Por Ronaldo Faria
-- Você lembra quando Astrogildo foi lá em casa pedir minha mão em namoro a papai?
-- E não lembro... O Seu Arcanjo ficou uma vara, queria colocar o rapaz pra fora a varas de marmelo no lombo.
-- Foi. Ele dizia: “filha minha só sai de casa aos 15 anos”. Eu nem menstruado tinha.
-- É, mas os tempos eram outros. Que bom seria se o outrora tivesse se perpetuado...
Na rua que teima em dividir o quadro em lado direito e esquerdo, esquinas, um rapaz passa com sua bicicleta elétrica e grita alto: “ E aí, vovós, tudo beleza?”
-- O que esse moleque depravado quer dizer com beleza?
-- Sei lá. Beleza pra mim era o entardecer na fazenda, com os bezerros a mugirem, o lampião a iluminar o escuro em meia-luz com aquele cheiro gostoso de querosene. Um ou outro morcego a voar nas telhas do quarto. Era de botar medo, mas nenhum nunca veio o nosso sangue chupar.
-- Cruz credo, ainda bem! Minha mãe dizia que eles só comiam frutas. Eram do bem.
-- E as procissões pra pedir chuva, você lembra?
-- Como não. Eram lindas. Todo mundo de branco cantando incelências para ver se os santos davam uma ajuda pra terra não ficar esturricada além do que já estava. O padre suado na frente a excomungar o fato de ser padre e ter de orar aos céus quando melhor era ficar na sacristia a beber vinho e contar tostões.
-- Mais bonito do que elas só as noites de lua cheia com o sanfoneiro chamando a roda de ciranda. Todo mundo em volta a fogueira a rir e brincar de viver feliz.
-- E tão lindo quanto triste era o enterro dos anjinhos que nasciam mortos ou não vingavam. A ruma de gente a seguir o caixãozinho até um campo santo qualquer.
-- Por que tudo isso acabou?
-- Sei lá. Acho que foi o tempo que passou. E voou rápido como se quisesse desaparecer de propósito pra provar que as nossas vidas são só uma vela a queimar.
-- Que mal doloroso...
-- Fazer o quê...
Ao longe o som do sino da igreja badala para a hora da oração a Nossa Senhora. Mas essa realidade ainda existe? Ou será simples chiste de um padre esquerdista na bandalheira que virou a fé?
-- Acho que está na hora de irmos entrar pra rezar, jantar e depois dormir.
-- Será? Posso dizer uma coisa feia, mas bem feia?
-- Pode, né...
-- Então, vai lá: puta que pariu, que se foda a hora da missa! Eu tenho um licor de jabuticaba aqui em casa. Quer entrar e tomar?
-- Não é pecado?
-- Pecado, eu cheguei à conclusão, é morrer. Afinal, ao fim de tudo, vivemos pra quê?
-- Quer saber, tem razão. Vamos encher o pote com seu licor.
Elas riram em seus dentes restantes e resistentes e foram para a sala degustar o tal licor que de tão velho já viu há muito o álcool evaporar. Mas, para Juju e Celinha pouco importava. Atávicas, para elas o drama era estupor. E ligaram a vitrola, colocaram os discos que quiseram, relembraram seus maridos mortos e enterrados. Solertes e brejeiras se embrenharam nas lembranças do tempo em que ainda tinham tranças. Riram muito mais e um tanto ainda mais e dormiram feito duas crianças no sofá coberto com a manta encardida de fios do Egito. O tempo para elas voltara afinal. E agora sem tempo, sem agonia, sem final.
sábado, 23 de novembro de 2024
Fantasia de passado
Por Ronaldo Faria
quinta-feira, 21 de novembro de 2024
Alceu em vacância na falência
Por Ronaldo Faria
Vesúvio derrama rios de fogo sobre as ruas imaginárias do tempo que o vento traz no fim da tarde. Em alarde, Bethânia faz rotunda a bunda que desfila nas ladeiras de Olinda. A brincar de vastidão na imensidão que desagua nas águas do oceano que se faz atlântico e atlético pelas ondas que arrebentam com força descomunal, ela revoa longínqua no coração do amado. Este, como um fardo da vida à espera do famigerado fim, permeia nos lençóis que há muito não veem o sol o tempo do primogênito nunca vindo. Heterônimo de si mesmo, a esmo, vagueia entre factoides e opioides pela estrada onde a direção é uma fada enfastiada. Fatiada de emoções e desejo em unções. Castro era ele. Castrado de esperanças e até menos casto. Na cena da praia havia um urubu.
E onde Bethânia e Castro se encontrariam e se envolveriam em trâmites nunca descritos ou escritos? No meio da trama, traumática e ávida de toques e sinais, certamente os corpos irão se confrontar e se envolver num vir e vir, volver. Como roupas a voarem em revoadas de maritacas que cobrem de barulho o silêncio da querência, os corpos estarão em ladeiras e eiras e beiras a beirar a felicidade e a liberdade. E se contorcerão em atabaques e baques que nunca serão esquecidos, aquecidos por corpos nus e misturados. Em fardos de beijos e toques, lânguidas lambidas e fornicações, ambos farão de quase nada um mundo de fado. Assim, numa metáfora infinda se unirão na distância intrínseca à felicidade e permearão aquilo que o coração, bobo, bombeia para viver.
terça-feira, 19 de novembro de 2024
A florir as flores mortas
Por Ronaldo Faria
Num bairro próximo, entre a mesa do bar e monóxido de carbono, Artur Castro, casto em seu desejo de ser poeta, vê o tempo passar. Sem passaporte diplomático ou primeira classe, ele é somente miragem na vida. Mas não desiste de poder singrar longas marés em galés cheias de rum, marujos a buscarem tesouros nas pernas das mulheres de cada porto, um capitão cego e com ambas as pernas de pau a gritar contra a retidão do mar. Na certidão de nascimento, feita após o tormento de um parir a fórceps, o sentido inato da exagerada dose de solidão.
Entre os dois, a dor junta louvor e torpor. Na desdita certeza de se viver, o destino corre como Quasimodo, torto e devagar, a tragar sorrisos, carinhos curvilíneos, beijos de línguas desencontradas e atadas no forjar. Ana e Artur, dois seres ungidos e carcomidos no seguir de meses feito reses no pasto, vão no vasto seguir a rodar ciranda no terreiro. Como colibris sugam o mel das flores que sobreviveram ao cheiro da vida e se se tornam incólumes vozes no lumiar do verão. Arautos do amor se tornam a gota que vem com as ondas do mar.
A ouvir e ver tudo, o grilo atônito com o fim das árvores e afônico sem poder sequer cantar em voz grilar, se prende no vidro talvez para dizer que a sorte ainda virá. Quem sabe Artur e Ana não se cruzarão numa esquina finda, dessas que surgem no ápice da história... Ou talvez apenas tenha passado de passagem feito miragem letárgica e pragmática para servir de fotografia fria e literal. Ao casal, marginal e fetal, a folia da foda passada, a cansada marginália, a inóspita hóstia que o bispo do juntar nega àqueles que descobrem ser seu próprio mundo. Tudo junto e misturado.
Mas como tudo que o sentido do sensitivo vê ou crê que enxerga, na cega lâmina da felicidade, os segundos seguem sem sentido. Assim, Ana e Artur, como grão de areia que tem cheiro de água e mar, vão a seguir os limites que se transbordam de corpo e alma, farpas de fálicas vidas. Em dado momento da história, porém, vão à janela e enxergam a rua logo abaixo feito astro que orbita em torno dos prédios e do tédio. Sem saber, dão adeus de narciso à vida. No etéreo, suas almas rompem os corpos e se encontram tântricas no rarefeito luar da quimera. E aí a paz do sublimar se faz tela à pintura em aquarela.
domingo, 17 de novembro de 2024
Rosa Passos, compositora
Por Edmilson Siqueira
sexta-feira, 15 de novembro de 2024
Acabou...
Por Ronaldo Faria
quarta-feira, 13 de novembro de 2024
Na inconstância de Constância
Por Ronaldo Faria
terça-feira, 12 de novembro de 2024
Thomas Walbum Trio, from Denmark
Por Edmilson Siqueira
segunda-feira, 11 de novembro de 2024
Vai ou não vai?
Por Ronaldo Faria
sábado, 9 de novembro de 2024
Mosquito proscrito ao som de Leny Andrade e César Camargo
Por Ronaldo Faria
- Puta que te pariu, vou te matar, lazarento!
-- Remédio, remédio, que tédio!
Felisberto era esse ser a descrer da loucura que é viver.
-- Pra quê essa merda se no fim dá tudo em bosta?
O mosquito esquisito buscava o copo de cerveja insistentemente.
-- Será esse morfético, ser insignificante, não frequentou o AA mosquital?
Sem saber se o tinha engolido ou não num gole a mais ou se o ventilador a mil o tinha impedido de continuar a voar, Felisberto por fim se acalma.
-- Agora vou poder pensar em Lavínia.
Recoloca o papel na máquina, vê se o rolo de tinta, já meio gasto, aguentará até o fim da proeza e volta a datilografar.
-- E agora, digo que a amo ou que a venero? Venerar parece coisa venérea. Melhor não. A amo. É isso! Amo-te, por começar parágrafo.
Ser solitário, catártico, prosaico, metamórfico, sabe-se lá mais o que, ele decide fazer um poema que pareça ode à elegia apaixonada.
“Daqui, nessa noite inesperada, sangrada, espero minha amada.
Será ela coisa forjada, arrebatada, enamorada, ávida? Saber-se-á.
Sei apenas que ela é noturna e soturna, taciturna...”
-- Puta que me pariu, a porra do mosquito voltou?
No meio de um pensamento, Felisberto atenta que o pequeno ser retoma seu voar.
-- Como esse infeliz ainda está aqui?
Sem saber ler pensamento ou voz de um ser humano, o ser de asas pequenas e assimétricas permanece em verve a perturbar o coitado do escritor atemporal.
-- Vai tomar no cu! Agora é guerra!
Colérico, Felisberto levanta da cadeira de madeira maciça e corre até a cozinha onde guardava um inseticida que trazia escrito “cuidado na sua utilização”.
-- Se prepare para morrer, famigerado...
Enlouquecido, despeja jatos por todo o lugar E inala tudo ao redor com voracidade de quem quer o tempo parar. Para ele, agora não tem tempo ou lugar.
-- Morre, desgraçado, morre!
Após o frasco secar, a casa parece um campo de batalha biológica entre a lógica e o esvanecer. Tonto, sem conseguir sequer dizer a quem queria escrever, Felisberto cai no chão. Intoxicado, com o coração a querer parar, vê o ridículo inseto, mosquito em presto, voar até o copo de cerveja quente. Interligados na cena, ambos morreram em poucos minutos. Se Felisberto tivesse lido a forma de aplicação teria visto que era preciso deixar o ar circular. Se o mosquito tivesse lido o rótulo da cerveja teria sabido que o produto não era recomendado a insetos e congêneres. O enterro dos dois, cadavérico e letal, teve hora e local iguais. E ninguém, de asas ou pernas compareceu...Mas, no horário marcado, as doses obrigatórias de remédio foram cumpridas.
quinta-feira, 7 de novembro de 2024
Chuva, vento, Leny e César Camargo
Por Ronaldo Faria
A sexta-feira é de Carnaval, festa carnal por essência naquilo que ao desejo se faz essencial. Mas, para o casal bíblico, fálico, tragicômico na sua epopeia, a festa de Momo já tem décadas de existência e nunca acabou. Quarta-feira de cinzas? No calendário deles inexiste. Todos os dias são dias de vestir fantasias, beber nostalgias, tragar doses de alegorias em saliva e paixão. No bloco que desfilam, não há bateria que peça para parar, foliões que desistam de desfilar seja onde for, no asfalto ou no mar. Para eles, a piedade não vem de bênçãos mundanas, profanas fantasias, dionisíacas orgias. A comissão de frente, que afronta jurados e notas, loucuras e artroses, passos e vozes, não precisa de coreografia. Basta um sorriso, uma fina brisa que bordeia o derredor e um antídoto pra dor: o juntar corpos, saciar cópulas, sorrir juntos num sorriso que os olhos veem.
E assim, como botões de rosa que decoram o fim do decoro de corpos, continuam a se tocar e vislumbrar que um dia, em inclemente sangria, verão seus copos entornarem emoções nas fálicas e inertes unções do querer ser feliz. Por isso não se importam com a chuva que inunda e destrói, com o vendaval que derruba e corrói, com a previsão que se diz factível e atroz. No quarto, catacumba que macumba nenhuma desfaz, se fazem únicos e invisíveis ao mundo. Na rua, após o dilúvio sobrenatural, que chamam de menino ou menina espanhóis, alguns voltam a sambar em som de atabaques e bumbos molhados e desafinados. Num beijo molhado e escandalizado, como diria o compositor, Maria e José, José e Maria, continuam sua estrada de ribalta e espera. Nos dois, descansa a fera...
terça-feira, 5 de novembro de 2024
Nas odes das ondas
Por Ronaldo Faria
Do alto dos prédios, logo abaixo das nuvens raras, televisões brilham em 4K e HD. O que existir agora tem que existir em multivisão que nunca seria quadro assinado de Salvador Dali. Portanto, Ana decide ir buscar seu rumo. Longe de Roma, deixa que o vento a leve. Na avenida que flutua na imaginação e se prende ao asfalto graças à lei da gravidade, segue até sua casa. E lá, no desaconchego do lar, dorme nua e lívida. Sem não antes se questionar: “Por que cargas d’água tinha que ser apenas Ana na hora de registrar?” Da rua, um bêbado regurgita seu próprio despudor.
domingo, 3 de novembro de 2024
The Dells e Burt Bacharach: uma união perfeita
Por Edmilson Siqueira
Pois foi isso que aconteceu quando o produtor e arranjador Charles Stepney juntou o grupo The Dells e a obra musical de Burt Bacharach com as letras de Hal David. E com um detalhe: só músicas que houvessem sido gravadas por Dionne Warwicke.
A formação inicial do grupo remonta a 1953, entre amigos do ensino médio, e o nome escolhido foi então El-Rays. Eles lançaram sua primeira gravação em 1954 e dois anos depois tiveram seu primeiro hit de R&B com "Oh What a Night". Depois de se separarem devido a um acidente de carro quase fatal em 1958, a banda se reformou em 1960 com Funches sendo substituído por Johnny Carter. Essa formação permaneceu junta até a morte de Carter em 2009. Em 2004, os Dells foram introduzidos no Hall da Fama do Rock and Roll e no Hall da Fama do Grupo Vocal. O grupo se apresentou até que uma doença forçou o vocalista de longa data Marvin Junior e o vocalista baixo Chuck Barksdale a se aposentarem, encerrando a carreira de 60 anos do grupo.
sexta-feira, 1 de novembro de 2024
Zeus
Por Ronaldo Faria
-- Zeus, e aí, vamos pra balada?
-- Vai ter birita?
-- Claro que vai!
-- Então estou nessa...
Zeus, brasileiro da gema, era desse jeito: ser multiforme em constante deformidade. Para ele, tanto valia o agora ser de grandiosidade de salões performáticos ou feito às vielas mais combalidas e diminutas. Se houvesse o que beber e viver, seu endereço estava ali. Todos pegaram o rumo, seguiram o prumo e colocaram a bússola no destino taciturno. Tudo, no fim, sabiam, vira fim de turno.
-- Que horas são?
-- Sei lá. Como ainda tem estrela no céu, deve ser tarde pra ser dia e cedo pra ser madrugada.
-- Bem pensado.
-- Se é escuro, vamos seguir o desejo. Afinal, um dia ele não existirá. Num caixão fechado e colocado debaixo de tudo, só a certeza de que se fez, fez. Se não fez, não mais fará!
Nas calçadas e esquinas, casas e janelas que rodeavam os amigos na busca de viver, olhares e suores, mãos e respirar sôfrego se misturavam com as gargalhadas do pequeno e grande exército de retintos e brancos leões.
-- Será que a Carolina vai estar lá?
-- Não sei. Mas deve estar. Ela não perde festa que tenha erva e cerveja.
Esse era o amor maior de Zeus: Carolina, Carol para uns e Lina pra outros mais. Mulher de cabelos que voavam negros entre a pela branca e os olhos que misturavam verdes e azuis todos límpidos, corpo que nem mesmo Michelangelo saberia esculpir, boca de lábios vermelhos em carne e prazer, era a musa que nem mesmo o próprio Zeus terá encontrado em Atenas ou Tróia. Carolina, vaticínio que o Vaticano assinaria como determinante e digno de alfarrábios bíblicos, era sua razão de existir.
-- Zeus, você é vidrado nessa mina...
-- Vidrado? Não. Vidro quebra. E ela é muito mais.
Por fim o grupo chega ao folguedo na pequena casa que se escondia numa rua pequena, pacata, estrábica à loucura da cidade, impávida no seu nenhum colosso.
-- Porra, encheu pra caralho! Como essa moçada toda soube do que ia rolar aqui?
Para Zeus, pouco importava. O importante era cruzar com Carolina. E assim se foi, a esbarrar com loucos desvairados, transviados, alucinados, calcinados de tanto queimar, bastardos e futuros contadores de histórias que se vale relembrar. E assim, de repente, de frente a frente, se dá com a amada. Sob a luz das velas que enlevam a cena, a agarra de presto. A beija com carinho e saciez como se logo mais não houvesse resto. E se deixam partir ao quintal que respira brisa e maresia ao luar que afugenta o tempo de passar. Neste momento, sem pecado, lamento ou perdão, se entregam em desvario e servidão. Dentro da casa, cálices se veem atirados no chão ao escaparem de mãos trêmulas e incertas. Alheio a tudo, o universo, em verso poético, pede que o mundo pare de girar.
Com os Paralamas do Sucesso e a porra de uns óculos que não dão pra ver a tela direito
Por Ronaldo Faria Óculos trocado porque o outro estava embaçado. Na caça da catraca de continuar a viver ou da contradança do crer vai ag...

-
Por Edmilson Siqueira Sergio Mendes é, sem dúvida, o mais bem sucedido artista brasileiro no exterior. E não só nos Estados Unidos. Seus di...
-
Por Ronaldo Faria O CD Cazas de Cazuza – A Ópera-Rock é de 2000. Dez anos após a sua morte, vítima da Aids. Dos discos que homenagearam d...