Por Ronaldo Faria
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Na rua da periferia que corta entre vielas e casas de madeira quase podre o pouco de dignidade que resta, estão Zumbi e Isabel, um a comer o outro entre os olhos que se entreolham na finitude da eternidade que tem um canapé em mesa de esfomeados. E se devoram como se houvesse além. Favelados, quase casados do tanto que veem os corpos entrelaçados nesses trópicos, ambos, ambíguos e solapados de desejos, vão a tocar a pele do outro que, outrora, foi um esfomeado de pungentes gozos e gemidos na madrugada que agora foi tragada pelo tempo que não deixa pau sobre pau, ou pelo sob pelo. Mas, lá estão eles: vestes desnudas e canções de sobrevida a voarem no pequeno barraco que o ato faz. Transfixados por um poema simplório, vão a correr o lugar ilusório. Casório? Nunca! O mundo não lhes foi um leito provisório. Transitório, talvez. E assim, no casuísmo que a vida às vezes dá só pra sacanear os desamparados e parados na esquina à espera de um amor eterno, vão Zumbi e Isabel a divergir da inebriante brisa que rola da boca na beira do asfalto, naqueles que não esperam a fissura para queimar a alegria antes da larica. Apenas são. Um casal na sombria noite que se avizinha. Do lado, a vizinha da cena prefere ouvir os tambores que chegam do centro onde rola uma gira pra exu. Os gritos de prazer são demais para quem há muito não sabe o que é o lazer nos países baixos. Na cidade cheia de morros e atores tortos com réstias de tortuosas histórias, o casal perdido no alto de uma íngreme certeza vai vivendo em harmonia. No rádio, o político, em horário eleitoral, grita que acabará com a agonia. No seu partido se prepara a orgia para poucos, ou como diriam os poetas, “mata um, mata dois, não vai sobrar nenhum”. O gozo que chega serve para amenizar o que ainda faz rir naquilo que dói.
Por Ronaldo Faria
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“A igreja de pedras, benfazeja, bendiz quem é puritana ou meretriz?”, se questionou Tâmara travestida de beata. Na exata hora que saía a procissão, a cisão entre o entrevero e o esmero que surgiu horas antes, por causa de um reles diamante. “Afinal, quem te deu?” – perguntava incisivo o delegado gordo e careca que, sentado atrás da mesa ensebada, se dizia autoridade da festa. Na testa, restos do frango que comeu. Na boca, pedaços devassos de uma vida sem graça. Para ele, tanto fez, fazia ou fará o amanhã. Fosse um dos três mosqueteiros da literatura, nunca seria D'artagnan. Quem sabe um bufão. Senão, um pé de página de ermitão, desses que ninguém sabe, nunca viu ou verá. Mas, lá estava ele, alienado de tudo a perguntar. Tâmara, em sua tragédia que a comédia abarcaria sem pestanejar, não quer sequer rir. Para ela, a vida é apenas um chegar sem saber onde irá chegar. Na fé, certamente haverá algum lugar. No olhar daquele que na cena não está, talvez no colarinho que sobe há somente uma brisa de se viver. Quiçá, um rolê. “Daqui, no turbo freezer ligado para vencer o calor que se esparrama no horror, vou passando vontade daquilo.” Tâmara, tresloucada na sua loucura famélica, famigerada até o sol nascer, crê que os próximos capítulos irão capitular em sonoras Babilônias que se fuma do bom na sala de estar. No Baixo Leblon, a alternância de uma noite em noir francês e algo que só saberá quem falar inglês. No mundo que se espraia na praia, dois corpos prostrados ao amor maior se embrenham no briefing de nada escrever. “Não posso esquecer de que a vida é um mero transcender. Na próxima hora, talvez nem respire ou inspire na inspiração que a transição performática nos dá.” Para Tâmara, a pisar os pés na areia fofa que fosca lua deixa esgueirar, talvez algum passo vire prosopopeia em cafeína pura. Senão, quem sabe uma droga pesada no café esturricado da manhã. Todavia, entretanto e porém, nunca saberemos o que a vida nos trará. Em algum lugar da terra, um trator amassa o que alguém, há tempos, construiu para ser para sempre.
(Com Rashid a rodar)
Por Ronaldo Faria
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O vento do ventilador ventila
na noite quente que aquece e aquiesce o homem que dedilha a sua própria sina.
No quadrilátero mínimo e ínfimo que um espaço arquitetônico dá à tônica do
espaço, a sorte que um sortilégio não antevê o fim para logo. Em solilóquios
afônicos, a voz que quase não sai. Os dedos ainda dedilham em frenético
arquétipo o tépido desenrolar frenético que esgota o tempo que ainda virá. Perto,
sentado no bar que espera que a esquina vire uma reta sem fim, Sebastião, vulgo
Tião, teoriza sobre a vida em Bogotá. “Será que lá é como aqui ou acolá?” Faltava
na mesa um colombiano para a tese corroborar. O jeito é compor algo mais para caber
no parágrafo seguinte, como um pedinte da poesia distante.
Ambos, antropofágicos seres que
os frágeis ditames da vida enterram a uma eternidade inexistente e pertinente,
divagavam e vagavam nas letras e pensamentos que só o tempo traz. Na performance
que só o teatro sem palco e plateia dá, vão transitando o cotidiano de cada
segundo que o coração ainda dá. Em copos cheios e anseios de verem um seio a
cair nas bocas rotas, num lambe-lambe que só o fotógrafo retrógrado dá, vão
descortinando veredas e ansiar. No oceano distante e equidistante do além-mar, os
versos e reversos de algo que segue adiante. Na metamorfose depois da fimose de
batom, um frígido ouvir de vozes a buscar um caminho que, no fim, vai ser o próprio
e mesmo indelével e sofrido enfim.
“Amigo, traz mais uma pro tempo destemperar”, disse Tião, proscrito homem e trabalhador. “Porra, vou ter de levantar de novo para buscar a cerveja”, pensava o poeta asceta que apenas queria escrever, sorrir ou chorar. No meio de tudo, quase em luto temporão, a noite brilhava no seu escuro colorido. “Quanto tempo ainda falta para o tempo terminar?” – perguntaram os dois. No derredor, gente que não conhece o fundo de um poço vazio e sem água que espera uma chuva em torpor. Quem sabe um louvor que ignora o horror que os pesadelos, em desmazelo, trarão logo mais. Na imensidão que esmera a sofreguidão, os portais sem abrem e se fecham à espera de mais um igual e desigual torpe e lindo amanhecer.
Por Ronaldo Faria
“Tá difícil virar o ano. E lá vai mais um texto para tentar cobrir o
dia 30 de dezembro. Talvez o último do https://osmusicoolatras.blogspot.com/.
Resistência firme, mas que deve se aposentar em 2024.” (Ronaldo Faria)
Da janela em mera procela, Maria olhava o que restava na paisagem inclemente que o calor declinava sobre a terra. Nas serras, antes verdes e floridas, o seco do mato crepitava aqui e ali. Um tanto de poeira, que o gado magro levantava na estrada de terra batida, voava no alpendre onde uma rede parada e corroída descansava ao tempo sem vento. Entre um suspirar e outro, o sussurro da boca molhada de água e desejo no ensejo da tardia melodia. Nas árvores, pássaros proclamavam a chegada da primavera. A quimera, a se querer florida, viajava na saudade de dias há muito atrás.
Sentado sobe o cavalo que
galopava e arfava na imensidão de um nada qualquer, José ia até a cidade
mais próxima e próspera na busca de um desejo da amada. “Quero pitomba pro
nosso filho poder nascer”. Conhecida na língua dos índios tupis como sopapo, bofetada ou chute forte, a fruta
era o desejo de Maria. “Imagina o nosso filho nascer com cara de pitomba... nem
pensar”, pensava José a chicotear o cavalo para varar o mundão antes que a feira
do vilarejo terminasse. Para trás ficavam os tempos inauditos, os ditos por não
ditos, a dicotomia de estar vivo sabendo que todos iremos morrer.
Maria,
de olhos marejados diante da dor, caminha nos corredores da casa. Uma luz de
lampião logo irá se acender e ascender ao tempo e chegar com sua fumaça negra
para algo próximo às telhas e o léu, como um fogaréu. Já José, a olhar o céu
que sombreia de lua a chegança de mais um fim de dia, chega na feira, que,
graças aos deuses do parto não partiu ainda, e encontra uma bacia de pitomba
madura. “Obrigado, meu senhor de Deus. Meu filho terá a minha cara”, agradece
sob o olhar do cavalo a suar. Ao fim da curta história, nasceu dias depois Joaquim.
Filho da sina de um talvez...
Ao som da Cambada de Minas e em homenagem a Isnaldo Piedade de Faria que nos deixou mas permanecerá sempre vivo num lugar que só quando a vida no derrear saberemos dizer.
Por Ronaldo Faria
Vozes. Outorgas de cordas
vocais e um cérebro que batucada e caduca ao passar dos anos e anéis (pedaços
de papéis) mágicos que viram pera, uva ou maçã. Aliás, o que eram tais
propostas postas? Nunca soube ou não quis saber. A sapiência nem sempre vem com
o poder. Na leniência da vida que ainda resta em réstias, de presto observo o
cérebro se insurgir. Que sejamos subversivos e imersivos naquilo que qualquer
quilo de vida se sobreponha ao cinismo de enganar a si mesmo. A esmo, naquilo
que a aurora ainda virá, surjam espumas de copos, cópulas subterfugias, fugidias
loucuras do outrora virá. Entre vestígios e vestes desnudas, com dois dedos
descritos, proscritos e escritos, possa chegar a inclemência que a cada
rasteira que a vida dá nos demove de dor e Deus dará. Com as Orquídeas Selvagens,
Itamar Assumpção, mostra que a cada milagre pode surgir um novo milagre. Se amanhã
surgir um vinagre, balsâmico, já está bom.
Por Ronaldo Faria
Escrever, pensar, escrevinhar. Viver cada minuto preso em segundos e, ao fim de tudo, continuar. Ensaiar um périplo de emoções, subscrever epitáfios, desdenhar. Viver. Remover terras e montanhas de nós mesmos. A esmo, crescer e definhar. Num trem a cruzar terras, céus e luar, um resto de terra e outro tanto de mar. Quiçá, alguém a submergir e adernar em si. Às próprias loucuras naufragar. Nalgum porto uma boca amiga irá abocanhar o que ainda restar. E surgirão beijos cansados, corpos amargos, soluções de algo. E assim enfim, no fim de mais um dia, a fria melancolia se porá a avivar. Na sublime ternura da loucura, a chegança de uma fumaça irá apitar... Que um amanhã ainda possa chegar.
(Sobre a foto do Leandro Ferreira)
Por Ronaldo Faria
Por Ronaldo Faria
Por Ronaldo Faria - Você só pode estar de sacanagem querendo que eu vá ao enterro da Jacinta. Sinto muito, mas eu é que não vou! - Mas, C...