sábado, 3 de agosto de 2024
O eterno Otis Redding
sexta-feira, 2 de agosto de 2024
A Caetanear a blasfêmia do chegar
Por Ronaldo Faria
Ele sobrevoava entre as favas secando ao sol, à espera de brotar, e um arcanjo malandro que faz trovas para que as virgens que sobem ao céu achem que as nuvens são púrpuras. No cantar da saudade, a performance das notas que denotam a natureza em perdão. No universo que se esmera entre a imensidão e o trovão, a púbere voz da amada que se faz díspar e volátil a se ouvir e redimir.
Ele, cancioneiro sem esmero de si mesmo, plágio das músicas e seus poetas, efeméride de algo que surge nalgum lugar, profana a forma e alude o descrente crer em outras línguas desse mundo a mais. Filho do antes da ditadura, da Capital Federal, vive até hoje a acreditar que há um socialismo a se esconder na semente à espera de um planeta, num canto de continente, a brotar e chegar.
Ele, carcinoma pungente e escondido que logo irá chegar, planteia o pranto que os olhos nem sabem como traduzir. Os raios de Sol que dentre em pouco voltarão, volteiam a ínfima procrastinação. Nas palavras frias e frígidas da imensidão da loucura em antemão, a servidão. Mas para que serve a vida? Ávida de lavradios tardios não vem a malfadada ternura, a lânguida e pura fervura.
Ele, conspurcado de si em medos e blasfêmias, amante de todas as fêmeas, amanhã não irá enlouquecer ou beber. Um túnel atemporal irá lhe tragar e trazer a eterna e a sempre amada. E então, o que vier, virá. No antever do descrer, jusantes vão se entrelaçar. E se bastar só um olhar, um prosear de passados e a incerteza do nunca chegar, já terá valido o que o inválido do amor nunca terá.
quarta-feira, 31 de julho de 2024
A ouvir Caetano
Por Ronaldo Faria
-- Certamente não. Num apartamento de Ipanema, quase na Globo pra criar documentários, eu previa outra realidade. Mas, essa foi a verdade que sobrou...
Cândido, famélico ser do passado, conversava com Afrânio, que não era nem de melô ou franco. A mesa do bar juntava saudade e realidade. E a Zona Sul no seu azul iluminado agora pela lua que não sabe se é cheia ou meia que vê tudo. Tanto faz. No fim, tudo vai ser o que tiver de ser. A mesa de bar tinha cheiro de maresia, futura azia e cheiro de outra maresia, dessa que sobe, segura e dá barato geral. Pertinho, tinha ondas com espumas claras e volatilidade. Talvez saudade. Sangue a fluir na melhor idade.
Cândido, guerreiro desde o momento que surgiu e ungiu de destino o istmo entre a lucidez e a loucura, passou a batalhar com suas dicotomias e essências cadentes e urgentes, seus medos e desvelos, bastardas politomias e sabe-se lá o quê. E se escondeu em retalhos, atalhos, cadafalsos falsos, sofismas mil. Para ele, cadáver vivo nas férias dos vivos, qualquer bobagem já é manchete de parar as máquinas. E ouvir as decrépitas rotativas ativas a colocarem letras pretinhas e fotos coloridas no papel branco, aos seus trancos.
-- Foi isso que você previu anos pra caralho atrás?
-- Sei lá. Foi o que me foi dado, por surpresas e buscas, momentos de bruscas verdades e certos azares. Afinal, não é isso que é a realidade? Utopias, sangrias, orgias, perfídias, fábulas e fulgurantes dias, cinzentos, cheios de unguentos e passos diários e lamacentos.
terça-feira, 30 de julho de 2024
Milton, com toda nobreza
segunda-feira, 29 de julho de 2024
Azáfama da playlist de cozinhar e cantar
Por Ronaldo Faria
Maria vivia seu passeio pela pele na essência da vida: sentença carcomida e falta de fotos, fatos, nomes, paisagens e quase nada. Toques do amor desejado, separações forjadas, tramas achadas, veleidades castradas, presságios em adágios vazios. Sentada no alpendre onde a lua se deixa translúcida para a vida renegar, cata o restante de histórias histriônicas, emoções catatônicas, frases afônicas e cheias de tonicidades e sonoridades quiçá icônicas.
Para José, um Tom Zé sem fãs ou canções, as luzes da noite e os botecos entre mil ticos e tecos, terços, troças, truques, no toque entre toques de graduações e ações, o momento era de cercanias do lamento. No ausente casamento, há muito inexistente, volatiliza a ferida aberta e nunca obstruída. E segue à margem da vida, a temer seus medos, beber seus degredos, glamorizar o que não tem porque seguir a estrada travada em mandrágoras.
Para Maria, tardia canção de um amanhecer sobremaneira fugidio, o caminho não tem volta, mesmo na revolta próspera da prosopopeia do cavalo a fugir pelo descampado que é o coração do amado. Em casa caída e deplorável e cada forjar o afável, sobe a ladeira a vencer volúpias e ventanias altaneiras. No seu mundo paralelo, o parabélum parece ser o translúcido alcaide da ópera sem tenor ou personagem principal. Na viela lateral, o cheiro mortal.
José, com seus santos e exus, a caminhar no altar e matas, cabelos negros da amada e chás que acharão seu porvir entre diarreias e alcateias, sobrevive e vive, bebe e bolina, olha a noite que se antecipa à madrugada tragada de ausências e anuências, luzes coloridas nos semáforos ou faróis, postes preocupados com motoristas primatas e atos que só a loucura maior da lucidez dá. Na mesa defronte, a fronte da mulher faz alternar beleza e quase mágica. Na trágica realidade das pessoas que passam na rua e perpassam o momento e a íris estrábica e as trazem para o sempre, o esmero do desespero mutante. Agora, José é apenas frágil e redundante mutante de si mesmo, a esmo.
sábado, 27 de julho de 2024
Sentença da solidão com Renato Teixeira
Por Ronaldo Faria
-- Rosinha, você casa comigo? Te prometo cama da boa, de palha, e te encher de filhos e filhas pra alegrar a casa. E juro que vamos criar todos pra serem donos desse mundão que Deus, do alto, vê.
-- Sei não, Honório. Emprenhar um monte de vez, dar de mamar, desmamar e dar de mamar outra vez. E se a parteira um dia não puder vir? Quem vai vencer as léguas até a cidade para fazer a criar sair?
-- Vou ter uma charrete rápida, colocar uns quatro cavalos pra guiar. Nada de carro de boi, com canga pra segurar. Garanto que a gente chega rapidinho no médico que der pra pagar. Senão, a Dona Vitória vai ter que estar a esperar. Ela nunca falhou com as mulheres daqui.
-- Honório, você vai me desculpar, mas não dá pra arriscar. O bucho é meu.
-- Rosinha, então você casa e a gente só deita quando você souber que não vai dar cria. Mas eu queria ser pai de uns dez, no mínimo. Filho é a certeza de que a gente continua vivo mesmo depois de morrer.
-- Honório, deixa de pensar besteira. Eu é que vou ter de parir a vida inteira.
Desacorçoado, o rapaz monta no alazão e sai em disparada pela estrada. No céu, a lua cheia recheia de visão o caminho até o lugarejo onde já tem luz de eletricidade a pipocar. Ele para o cavalo cansado e suado diante de um cocho, amarra o bicho e entra na casa que a luz vermelha faz cenário à beira. Se Rosinha não o quer, uma outra mulher do mundo há de querê-lo. Afinal, para quem está só, qualquer quirela de amor deve servir.
-- Honório, você por aqui?
Telma, vinda da Capital, dona do bordel, cumprimenta o visitante raro como fosse alguém que está lá todos dias, noites e tempos.
-- Dona Telma, Amora está aí?
-- Está com cliente. Mas esse é rápido. Parece andorinha. Logo ela volta pra sala. Quer tomar uma canjebrina?
-- Pode descer uma e mais outra.
-- Jeremias, desce uma da boa pro Honório! E já manda duas.
Enquanto espera por Amora, ele vê os casais se encontrarem, se beijarem, entrarem nos quartos ou sair no galope, gritarem ou sussurrarem na noite que está a brilhar no luar. Da sua cabeça, porém, Rosinha não sai. Estava tudo bem para virar semente diante do padre e depois chegar o amém. Mas qual, ela prefere virar freira ou enjeitada a ter dez ou doze filhos pra botar na estrada.
Quando Amora deixou o homem que demorou nem tanto tempo, ele a pegou pelo braço, levou para o quarto e fez tudo o que podia até quando o sol resolveu dizer para a lua ir buscar seu quintal. Amou, desamou, beijou, xingou, esbravejou, fez súplicas de amor, promessas até de altar. A moça, como já estava acostumada às bravatas dos seus amantes delirantes e errantes, bêbados e largados, apenas dizia a tudo que sim. Quando o gozo findasse e a realidade retornasse a Honório, ela sabia que tudo seria um sono demente a suspirar. Quiçá, o roncar de um boiadeiro.
Quando a manhã raiou, não rara em demora nesses tempos de agora, onde tudo parece já ter acontecido outrora, Aurora acorda Honório. “Já está na hora de pegar estrada boiadeiro.” Com seu pensamento a sorver o que ainda resta de entranha, Honório se levanta, lava o rosto na pia que pinga e pega seu rumo. Malvado, o cavalo amigo, está lá, ainda selado, a lhe esperar. Ele pede desculpas ao animal e toca a espora para onde for o destino final. Numa curva da estrada de terra, contudo, o cavalo trupica e cai desalmado. Malvado depois consegue se levantar, mas Honório bate a cabeça numa pedra grande de danada. Sangra até morrer na última morada. É encontrado horas depois por vaqueiros e sua vaquejada. Enterrado no local, com uma cruz bonita, colorida de azul e bem cortada, não teve tempo sequer de saber que Rosinha decidiu se mudar pra Capital e virar professora de maternal.
quinta-feira, 25 de julho de 2024
Bebida pro santo e João Bosco
Por Ronaldo Faria
-- É que a coisa deve estar feia, meu zifio. Pra limpar tudo que veio, vem e virá só com muita oferenda...
-- Tudo bem, não me nego. Nunca me neguei. Mas nos últimos tempos a coisa evapora rápido demais.
-- Talvez porque seja para impedir que os últimos tempos virem o último tempo, o derradeiro suspiro, o fim de tudo.
José aceitou a explicação e agradeceu a resposta. Com certeza, na presteza da realidade tardia e vadia, Pai Bastião, filho de Oxóssi com Iemanjá, está certo. Decerto, mesmo que o calor extremo possa ter ajudado, outra explicação mais lúcida terá razão. Assim, o que antes era até 15 ou 20 dias virou menos de uma semana. Na artimanha da manhã ainda por vir, a esperança de um novo porvir. E a espera do samba geral.
Constrito, nunca consternado, José se ajoelha diante do congá e agradece em prece todos os orixás, relembra a índia que amou primeiro na vida e lembra do batismo, da confirmação e dos santos que desciam para trazer Ogum e Preto Velho ao lugar. Assim, no enfim que os anos trazem em décadas vividas, novas esperanças tragam heranças para que o copo possa se encher de novos ares quando secar. Salve o novo, Oxalá!
terça-feira, 23 de julho de 2024
Adeus 2023
Por Ronaldo Faria
-- O que é isso, Demerval? Foi tão ruim assim pra você?
-- Cê tá louco? E pra você, foi bom?
-- Sei lá... acho que não cheirou e nem fedeu. Foi um ano a mais.
-- Então, parabéns. Enfim achei alguém que curtiu esses 365 excrementos diários.
Demerval tinha até do que reclamar. As chuvas famosas de início de ano haviam derrubado o barraco construído com tanto esforço de comprar material a prazo, surrupiar de outras obras, improvisar quando o cobrador vinha à sua moradia cobrar as prestações atrasadas. Mas não foi só. Maria, cansada de ser mulher de verdade, mesmo sem se chamar Amélia, resolveu em agosto, mês do desgosto, deixá-lo. Fernandão Pé de Mesa conquistou a morena com promessa cama, casa de alvenaria, comida e noites de gozo só.
Antes, porém, lá por março, como a falta de um cadarço, Demerval havia tropeçado no trabalho. Tinha faltado quatro dias seguidos. Deu por esquecido, tentou dizer que teve amnésia profunda advinda de uma queda soturna, mas o bafo de cachaça não convenceu o mestre de obras. Rua sem direito nenhum. Durante uns dias fez bico de segurança numa boate em Copacabana, vendeu capinha de celular na Rua do Ouvidor, sentiu dor no coração, mas curou no centro de umbanda que funcionava no Méier. Depois, como tudo que tem que piorar tem sempre um depois, depôs na 13ª DP sobre a agressão contra um turista boçal que tinha chamado ele de resto de Carnaval. “Seu delegado, mexeu com a minha Mangueira ou meu Flamengo, eu não tenho sustento na mente.” Para seu azar, o delegado era vascaíno e portelense e levou três meses no xadrez.
-- Você acredita que o pessoal da facção queria que eu fixasse um posto na comunidade. Eles diziam que eu tinha personalidade. Mas, pra quem já fodido, não vale a pena se foder e meio.
Quando saiu da cana, Demerval tentou vaga de flanelinha, apontador de bicho, pintor de parede. Acertou em alguns trampos, mas por pouco tempo. Chegou em novembro já meio mais pra lá do que pra cá. Para ele, sobrou um cartaz de “compra-se ouro e prata” no peito, em plena Avenida Suburbana, agora Dom Hélder Câmara. Dava para o trem e uma gelada na promoção. Vez ou outra vinha um extra como camelô cobrindo a falta de um parça. Ia se virando como dava. Mas Demerval sabia que o pior estava por vir. Dezembro era o seu mês de angústia. Neste, o Papai Noel filho da puta nunca tinha lhe dado nada em infância. Não seria agora, num 2023 tão morfético, que um velhinho iria lhe dar refresco.
-- O meu velho, dia após dia me enchia de porrada. Você acha que outro velho, que mora lá no Polo Norte, ia me trazer sorte?
-- Porra, Demerval, também não é assim. Eu conheci o Seu Vitalício e ele até que era bacana. Tirando bater na Dona Carola às vezes e chegar bêbado em casa sempre, tinha seus momentos de bom pai.
-- Cacete, tu tá aqui pra conversar ou pra me sacanear?
-- Desculpa, foi ruim.
Mas dezembro, quando vagas pululam no comércio e outros afins, Demerval acreditava que seria um mês melhor. Correu o comércio da Vila da Penha, Madureira, Honório Gurgel e Vicente de Carvalho. Ao fim das corridas, a mesma palavra: “caralho!” Ninguém tinha vaga pra nada. Nem bico aleatório. Por fim, conseguiu um trampo passageiro num crematório. “Fica aí que nesses fins de ano sempre aumenta a procura”, disse o gerente a lhe mostrar os macetes da fornalha. Agora, na folga, no boteco do Carlão, com as brejas descansando na mesa e o amigo do lado, um resto de porção de torresmo a servir de aeroporto das moscas em voos rasantes, Demerval só pensa no próximo Carnaval. Um companheiro de agruras já lhe prometeu vaga na Cidade do Samba para ajudar na montagem dos carros alegóricos da Verde e Rosa.
-- Em 2024 eu tenho a certeza de que as coisas vão mudar. Sabe que eu estou até de prosa com a Dora. De repente, ela aceita ir pro meu cafofo novo. É pequeno, de três cômodos, mas dá pra dois corpos. Se ela não se incomodar de morar meio longe e ter de ouvir o trem passar, dá rolo. Eu sei que no próximo ano a coisa vai virar. Como Exu Bará vai ser o regente, quem sabe não dá jogo. Vai ter que dar.
Na rua logo do lado duas Patamos passam chutadas e rápidas. Deve ter bala sobrando logo ali perto. Mas deixa pra lá. “Eles que são PMs, milicianos e traficantes que se enfrentem e se entendam.” Para Demerval, já quase na virada do ano, o importante é esquecer o que não foi e torcer para aquilo que deve vir ou virá. O Réveillon vai ser no Piscinão de Ramos, com direito a show no palco e fogos de artifício. Com Dora, claro. Afinal, a vida tem a mágica de transformar bosta em ouro. Basta crer que acreditar é ainda o maior tesouro.
-- Carlão, manda a saideira de 2023. Melhor, desce logo três pra rimar com este ano que vai arder no calor do inferno. Aliás, que calor do cacete que está nesse mundo.
Suando como camelo, Demerval espera logo mais não ser uma cifra a mais nas pesquisas dos ausentes.
sábado, 20 de julho de 2024
Olho de Prata
Estou voltando ao assunto por alguns motivos: o primeiro é que fui um dos produtores do show (éramos uns quatro ou cinco, todos trabalhando na base da amizade) e, como tal, posso dar alguns detalhes a mais do que o Ronaldo. O segundo é que ouvi novamente o CD do show - um CD que é resultado de uma gravação em fita k7 que o Osny passou para a nova mídia - para ver se estava tudo bem com ele. Ouvi novamente não apenas por gostar das músicas, mas porque eu ofereci uma cópia ao Danilo Fernandes, da Rádio Educativa, para, quem sabe, ilustrar alguns do seu ótimo programa sobre os artistas musicais de Campinas e região. Além disso, minha amiga Bete Ribeiro, que hoje é companheira do Zeza, me providenciou, rapidinho, uma cópia do folheto (hoje chama folder, né?) do show, com os nomes de todas as músicas - eu lembrava máximo de três - para abastecer a discoteca do Danilo de modo completo.
Trata-se, como já devem ter percebido, de um disco que não existe no mercado.
Por esse trabalho todo, me veio a vontade de escrever alguma coisa sobre o já lendário show que lotou por duas noites o teatro do Centro de Convivência, com ingressos extras suficientes para que o corredor central fosse todo tomado por gente sentada no chão.
E foi grande mesmo. Acompanhei muitos ensaios e vi tudo sendo montado sob a batuta de um profissional em vários ramos, o artista plástico, jornalista, escritor, fotógrafo, cronista e boêmio Jota Toledo. Toledo foi o coordenador geral e distribuiu magnificamente as tarefas. Para iluminar o espetáculo, convidou Amadeu Tilli; para o cenário, Geraldo Jurgensen, para a direção musical, Maninho, para a direção de cena Marcos Ghillardi e botou na produção alguns amigos que ele sabia que tudo fariam para que o negócio andasse da melhor maneira possível, inclusive este escriba.
A ideia era botar o pessoal no palco - violões (Zeza e Alfredinho), flauta e sax (Maninho), cavaquinho (João Luiz), contrabaixo (Serginho) e percussão (Paizão) - e fazê-los cantar suas músicas e, às vezes, contar histórias que os inspiraram como se num bar estivessem. E a ideia funcionou.
A grande maioria das músicas apresentadas teve como autores Zeza e Alfredinho, juntos ou formando dupla na composição, mas a abertura do show foi com "Homem de Papel" um poema de Raimundo Oswaldo Barroso que Zeza musicou. É uma letra forte com visíveis críticas sociais à ditadura que ainda entristecia o Brasil à época.
Em seguida, a presença delicada e firme de Celinha, com sua voz que lembra muito a de Maria Bethânia, (muitos diziam que Celinha sempre foi melhor...) apresenta "Sereia da Noite" (Zeza Amaral), que cria o clima ideal do boteco na madrugada para o show prosseguir.
"Prego" de Alfredinho, que vem a seguir. A triste separação é aqui, mais uma vez, retratada com primor pelo poeta que fica sozinho cantando suas mágoas. Músicas típicas de inspirados boêmios, como éramos todos à época.
Essas três músicas deram o tom do espetáculo: musica forte com crítica social, samba canção romântico e o samba tradicional, onde prevalecem as dores de amores e a sadia malandragem.
No palco, cantava um, cantava outro, ou os dois juntos e, de repente, Celinha deslumbrava a plateia transformando a música dos parceiros em algo nobre, pra ser aplaudido de pé, como foi quando ela cantou à capela.
E com direito a grand finale: o sambão composto pela dupla, "Verei Raiar", que, além de encerrar o show com um clima mais do que elevado, presta a devida homenagem à Adega Florence, dos irmãos italianos, que ficava na esquina da Carolina Florence com Primeiro de Março, na Vila Nova, e que foi, durante vários anos, o quartel-general dessa turma (eu mesmo a frequentei por algum tempo) que amava a noite e suas musas.
O show, como já disse, teve duas apresentações com lotação com ingressos extras. Depois, devido ao sucesso inicial, foram conseguidas mais três datas, mas o sucesso não se repetiu e sobraram apenas as lembranças de quem viu e ouviu e de quem, como eu, conseguiu uma fita K7, que virou CD, e pode ainda ouvir pra matar as saudades de um tempo que não volta mais.
Pra encerrar, Zeza e Celinha ainda estão por aí (Zeza prepara novidades musicais inclusive), mas Alfredinho, infelizmente, nos deixou em abril de 2018.
sexta-feira, 19 de julho de 2024
A Mazinho Quevedo
Por Ronaldo Faria
Marlúcio, que pensa em mudar para o “Sul” e se tornar peão numa obra qualquer, mesmo sem casa ou mulher, segue no seu jumento a prosear consigo mesmo. Brinca de se embriagar e fazer da inaudita sobrevivência o derradeiro chegar. Nele, crê, haverá a amada, a chaga curada, a porteira nunca fechada. Afinal, se nessa vida de perrengues e ventres nus não houver crer, de que vale continuar? Volátil em si mesmo, sabedor de seus breus e banidos queixumes a Deus, continua apesar do sol que mata o plantio sórdido e a montaria a seguir seu latifúndio nenhum.
Marlúcio, cadáver ambulante no destempero que o tempero do destino não sabe alternar, só diz que a hora é de orar. No amanhã, a amada a cobrar. No mato rasteiro, a cobra pica a perna do menino. A morte é certa abraçada nela. O chocalho da cascavel é como um samba e xote a rima ordenar. A ordem de hoje não quer saber, sequer, o que o amanhã será. Ser-se-á a pomba vadia qualquer ou o rei sabiá. Afinal, se a vida é apenas momento em tormento, que as tormentas do logo mais sejam como a garça branca, a voar. A alma, insone, há de desertar e despertar.
quarta-feira, 17 de julho de 2024
Floriano, que a flora te dê flores
Por Ronaldo Faria
terça-feira, 16 de julho de 2024
O estranho e admirável Thelonious Monk
segunda-feira, 15 de julho de 2024
Madrugada na tarde com Leny Andrade e Cesar Camargo Mariano
Por Ronaldo Faria
A madrugada, tragada de blasfêmias e pecados, tratados e translúcidos recados, vocifera que logo chegará a aconchegar corpos, deitar em camas profanas e viajar num tempo que não é o seu, e muito menos de Orfeu. Quem, em sã consciência, dormirá às cinco da tarde? Logo agora em que transitam tantos pleonasmos, tantos sentimentos, tantas coisas que a gente não sabe de onde vem. Certamente, na mente abstrata que nada trata, o negror é a síntese da poesia e da dor, do amor.
A madrugada deixa a poesia mais volátil, tátil, com cheiro de fim e cor de algo a mais, mesmo que o mais seja assim, eu em mim. Afinal, no final tardio e urdido de lamúrias e alguém de Astúrias, vale a primazia que a aspirina de amanhã trará. Para os tantos acalantos e lamentos, astrofísicos e atrofiados desejos, o que vale é o ensejo que pode vir de si mesmo ou do primata Redentor. Agora, com a azia antecipada, constipada talvez, espero somente a minha vez de ser feliz.
sábado, 13 de julho de 2024
Ao som de Vinicius e Toquinho
Por Ronaldo Faria
Vem, Vinicius de Moraes. Venham tardes de prazer, de fugas do mundo e viver. Vem amor que nunca se foi. Venham promessas cegas, carnavais passados, areias de pés molhados. Vem mulher da cidade, caipira ou do exterior. Venham medos e tragédias, alegrias e comédias, copos de beber saudades e prazer. Vem ilusão de ser feliz. Venham, depois e, pois, as noites mal dormidas, as anginas, as chuvas desgrenhadas.
Vem, poetinha. Venham letras e rimas, rumos e sinas, cataclismos e orgias. Vem pirotecnia do antes no fechar de cortinas do espetáculo. Venham universos de versos, versículos temerosos do pecado, incongruentes e ausentes na esquina finda. Vem corpo ereto, deitado ou tosco no tosquiar do amor. Venham conquistas ínfimas, vitórias ganhas no grito, derrotas no apito. Vem decágono que o coágulo do coração não deixa de habitar. Venham dez histórias, dez blasfêmias, dez fêmeas de nunca esquecer.
Vem, branco mais preto do Brasil na linha direta de Xangô. Venham goles a olhar os olhos da amada, risos de quem sabe tudo e nada, luares repletos de luzes na escuridão do céu. Vem mar em maresia plena. Venham Iemanjá, Marias, Anunciações e Carolinas. Vem próxima musa, reclusa nalgum lugar nunca visto e nem antes descoberto. Venham lençóis amarrotados, sóis alumiados, nuvens a voarem num universo largado. Vem o que tiver de vir, porque estarei, só pra variar, aqui. Venham toscas namoradas sem muita espera, sem cair da esfera, sem acordar a fera que dorme dentro de mim.
Vem, Vinicius amoral e fatalista, fatal. Venham lamúrias que nos encontram no após do depois, fúrias da separação e da canção, unção famélica da tristeza e da melancolia. Vem morena que caminha a enlouquecer os marmanjos em seus meandros. Venham medos desprovidos de certeza, cuidados mil na rosa que há muito despetalou, visões plúmbeas de um horizonte que parece simples. Vem estrada já seguida e evitada. Venham visões polares que a íris começa a embranquecer, delírios do garoto de colchas de retalhos, alhos e bugalhos.
Vem, poetinha. Venham loucuras que o álcool dá, dádivas que a certeza da morte dão no ouvir de outro Ronaldo que era freguês de sebo como eu. Vem aquilo que tiver de ter sido. Venham corpos amorfos, cinzas esperadas, vermes que possam ter subtraído a vida e da sorte. Vem barco que ainda espera o porto de chegar. Venham mulheres cheias de saudade a esperar o marinheiro fagueiro, os presentes do Oriente, falácias que se conta quando não há nada a contar. Vem universo reverso e sagaz. Venham garimpeiros de músicas, catadores de emoções, buscadores de torvelinhas paixões astrais.
O mundo nos espera. Ele vos espera. Em terra.
quinta-feira, 11 de julho de 2024
Praguejo em samba-funk
Por Ronaldo Faria
Anoitecer em Belchior
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