sexta-feira, 14 de março de 2025

Sem segredo e degredo

 Por Ronaldo Faria

Simone, homônima sem nome, passeia no seu passo pequeno como fosse aneurisma desses que a gente não espera e cega nosso fim feito fera. E derrama no enlevo dos segredos o degredo que nem o coração consegue ter. Mulher de enigmas, nascida em manjedoura em pleno cataclismo, está sempre entre amor e cismo, ensimesmada de tanto torpor e dor. 

Mulher na fé e no dissabor, parturiente de um ente que espera a paz, sublime na vastidão que o fim traz, escapa por um triz do fotógrafo que busca a foto que bate entre a realidade e os esmeris. No seu corpo, riso tosco, o fosco que ofusca o capô do velho Fusca. Decerto e na certa no próximo sinal ou semáforo haverá um amor para lhe pedir perdão e acasalamento.
Simone, clone de falácias e velozes sonhos que eclodem, segue entre livros e louvores a tracejar traços e troças àqueles que a amam em vão. Desvão de mil e milhares palavreados e rimas, sinas e sinais, desses que não se finda ou se funda nem no Monte Sinai, deixa seus olhos de amêndoa a romper bastiões e bandeiras. Nalgum momento, em desalento, o tormento irá virar brisa leve na tormenta.
E como fosse um fóssil encravado no coração dos homens que visitam a Paulista numa Paulicéia nunca destravada ou desvairada, Simone, essa insone lamúria que pousa feito pomba na plúmbea janela, se esmera na férrea linha que os trilhos de aço não dão ao chegar. E vai a jogar sua fumaça cinza e colorida na vida fragilizada daqueles que a esperam no hangar. 
Na mesmice que volatiliza a brisa da noite, fratricida no dia que o amanhã fará despertar, o largar de infaustos desejos e palavras tresloucadas e que surgem inalteradas de algum lugar. Em todas, blasfêmias que nem mesmo as fêmeas mais fragilizadas irão repetir. Ao fim de tudo, no submundo da perfídia inconsequente e ciente, sentimentos voláteis têm seu fim.

(Se alguém ainda lembrar de fitas K7, essa eu tive)

quarta-feira, 12 de março de 2025

Com Paulo César Pinheiro

 Por Ronaldo Faria

 


-- E aí, Galderio, vamos pro samba?
-- Como assim? Já estou nele.
-- De que forma?
-- Não está ouvindo?
-- Não. Ou devo estar surdo...
Ao som da alma do samba, com incenso de arruda a queimar e cerveja no copo, os amigos, na magia da vida, vão na resenha prenha a se desmanchar.
-- E aí, já esqueceu a Maria?
-- Não. Mas a apaguei dos meus dias. Trilha que vai só numa direção sem resposta, vira bosta.
-- Fez bem. Já dizia Vovó Maria Conga há 50 anos: esquece, deixa de procurar, se ela quiser algo vai sentir falta e te buscar. Senão, não era pra ser. Saravá!
-- Saravá! Eu sei. Deu certo lá atrás. Aliás, sempre dá certo. É só lembrar e seguir o coração.
-- Faça isso, meu amigo. O que a vida separa, a história redime.
Perto do lugar, rola um crime. O assalto não virou e a pipoca pipocou. Dois mortos no local e um terceiro no rumo do hospital.
-- E como está Marivalda?
-- Tal e qual a Pastilha Valda: a queimar a garganta para tentar curar.
-- Como assim?
-- Driblando os trancos nos barrancos da nostalgia e da rotina...
-- É, eu sei. Na mesmice que o sofrimento traz.
-- Ferida não fecha depois que o cristal quebrou. Só blábláblá. Nem com loteria fechada no primeiro prêmio com número cravado na milhar traz de volta a paz.
-- É foda. Quer dizer, é a foda que já não há...
-- Vacilão, traz outra garrafa trincando que essa já foi!
Na rua passa o rabecão para buscar os corpos deitados em poças de sangue e buracos de bala a vazar sem parar.
-- E aproveita traz também um lanche de presunto pra homenagear quem não terá mais o que homenagear! Logo mais vai baixar a cova rasa sem riso pra dar.
A lua, no seu vagar inusitado a ver a terra se acabar como planeta que tem que seguir, já joga olhares cheios de malícia e luz para marte. Tudo está perto de dar um match.
-- Daqui vamos pra onde?
-- Como assim? Não está bom pra você?
-- Pra mim, está. Mas não sei se pro vacilão do Zé Meleca.
-- Foda-se ele! Quem tem birosca, tem enrosco. Se não aguenta, pede pra sair e vai vender leite.
-- Tem razão. Vamos chutar o balde e a desilusão!
E assim ficaram até a luminosidade da cidade deixar de brilhar no morro. Talvez um insano e insone aqui ou outro por acolá mantêm a luz de um quarto acesa. Quiçá, um banheiro onde o bêbado ou cagão busca remissão. Talvez a reminiscência que a essência do sofrimento derrama em lamento sem fim. Mas isso só a ciência dirá.
-- Como é bom não ter o que fazer no dia de amanhã. E seja o que tiver de ser, no ensejo de ser apenas um em si.
-- Sempre. No sopro próximo, o ócio.
-- E a birita. Essa que nos deixa birutas. Para completar, só umas mil putas!
-- Putas não, moças dispostas a dividir a troça que a vida nos dá. Meio a meio, onde todos somos e podemos. E nos fodemos. No bom sentido remido.
-- Com certeza. Não está aqui quem falou! Em falsete, que venha o beijo de amor ou a perna no torniquete que o sangrar da separação deixou.
-- E línguas entrelaçadas, libidos de homens e fadas, falsas palavras que ecoam na ventania que se foi e se esvai.
-- Vacilão, vê a última que a saudade quer ultimar no corpo que um dia perto vai morrer...
Zé Meleca traz aquela branca de gelo do lado de fora e logo põe a conta na mesa pra findar.
-- Vai cobrar? Mas nem que a vaca tussa. Pendura na conta do Abreu ou fecha o bar!

terça-feira, 11 de março de 2025

Um quarteto que é uma referência do jazz

Por Edmilson Siqueira


O CD se chama "Gone With The Wind" que vem a ser a música tema do famoso filme (E O Vento Levou, no Brasil) e nele o Quarteto de Dave Brubeck mostra porque é uma das referências quando se fala do jazz moderno dos Estados Unidos. 
Gravado em 22 e 22 de abril de 1959 (Uau! Vai fazer 66 anos em dois meses), "Gone With The Wind" tem, além de Dave ao piano, o grande Paul Desmond no sax alto, Joseph (Joe) Morello na bateria e Eugene Wright no contrabaixo. Um time do maior respeito, não fossem eles que, dali a quatro meses, estariam novamente no estúdio para gravar o lendário "Take Five" (https://osmusicoolatras.blogspot.com/2022/10/o-fabuloso-time-out.html), um disco que é citado, junto com "Kind Of Blue", de Miles Davis (https://osmusicoolatras.blogspot.com/2022/10/um-disco-que-entrou-para-historia.html), como um dos mais importantes da história do jazz. 
Já escrevei sobre os dois, como se percebe pelos links acoplados, mas esse "Gone With The Wind", além de toda qualidade intrínseca, revela algo mais: era um quarteto de gênios fazendo uma espécie de ensaio soft para o que viria a seguir.
Digo soft porque as músicas maravilhosamente interpretadas, mostram uma suavidade impressionante. Não têm a exuberância que veríamos alguns meses depois em "Take Five", mas, nem por isso, deixam de encantar pela leveza, precisão e sonoridade que o conjunto de cordas, percussão e sopro, sonoramente casados, proporcionam.
Dave Brubeck teve um início como pianista digno do que se chama de gênio. Vindo de uma família musical, começou a aprender piano aos 4 anos de idade com sua mãe e violoncelo aos 9. Ele tinha uma personalidade muito forte, não era muito interessado em aprender por métodos e simplesmente queria compor suas próprias melodias. Por iss nunca aprendeu a ler partituras. Na faculdade, quase foi expulso quando um de seus professores descobriu que ele não sabia ler partituras. Muitos outros professores o defenderam apontando seu talento em contraponto e harmonia, mas a escola continuou com medo de que isso pudesse causar um escândalo, e só concordou em lhe dar o diploma se ele concordasse em nunca dar aulas de piano.
Não, ele não ia dar aulas de piano, pelo menos aulas tradicionais. Só que cada disco que gravou, ou cada apresentação que fez, foi sempre uma aula, reverenciada até hoje como o melhor que um pianista de jazz poderia fazer. 
"Gone With The Wind" abre com "Swanee River" S. Foster), uma canção que sempre esteve entre as favoritas de Dave, mas que só neste disco ele conseguiu gravar. É também o caso de "Georgia On My Mind" (S. Gorrel e H. Carmichael), a terceira faixa. Em ambas, segundo o autor do texto do encarte, Teo Macero, a gravação pode ter sido a primeira vez que tocavam essa música juntos, o que só prova a genialidade do quarteto. 



A segunda faixa, "The Lonesome Road" (G. Austin e N. Shilkret), segundo o próprio Dave, é um drama contando a história de um homem sozinho no início e que acaba tendo uma vida plena para depois voltar à solidão.
"Camptown Races" (S. Foster) é a quarta e a quinta música. Sim, o grupo gravou duas versões diferentes. A primeira com 1 minutos e 53 segundos, parece ser um ensaio para a segunda gravação, que é apenas 14 segundos mais extensa. 
A sexta música é "Short'nin' Bread" (do folclore americano, sem autor definido) e começa com um grande solo de bateria de Joe Morello que consome quase toda a faixa, com um pequeno solo de piano ao final. 
"Basin Street Blues" (S. Williams) a sétima faixa é jazz clássico apresentado por um quarteto que sabe muito bem o que faz. O sax alto e o piano conversam quase o tempo todo como velhos companheiros.
Um standard do jazz do sul dos Estados Unidos, "Ol" Man River" (O. Hammerstein II e J. Kern) é a oitava faixa. É praticamente interpretada pelo contrabaixo de Eugene Wright, com a companhia do piano e da bateria.
Por fim, a faixa título, "Gone With The Wind" (H. Magidson e A. Wrubel) que, desde que serviu de trilha sonora ao famoso filme, se tornou uma das mais gravadas por jazzistas de todos os tipos. 
Segundo Teo Macero, a ideia desse álbum, evocando memorias de Dave do Sul dos Estados Unidos, surgiu quando ele estava fazendo um tour por aquela região. Ele decidiu que gostaria de fazer um álbum com as velhas e familiares músicas do Sul, mas que pudesse agradar todas as outras regiões do país. E conseguiu, claro. 
"Gone With Teh Wind" pode ser ouvido na íntegra no YouTube em https://www.youtube.com/watch?v=qCXxfF6znGI&list=OLAK5uy_l4sPwOu9f7TQe5Na5xZkUqfyst84dYlpo e pode ser comprado nos bons sites do ramo.

segunda-feira, 10 de março de 2025

Com o Tim Bernardes

 Por Ronaldo Faria

 


No alvitre que o absurdo dá, passos desnaturados e destratados pelo ademais. Sem mais, ou menos, no ameno tempo que lá fora faz, versejemos os toscos e limítrofes momentos entre a felicidade e o compasso que mede nada a lugar nenhum. Na trena de milímetros, a trama do drama viciado em querer trepar na cama, a dois. No casuísmo que a vida fantasia, cores de amanhecer e anoitecer, todas misturadas e malfadadas na inóspita revelia. A se revelar, a certeza de que o silêncio reverbera na gérbera que cresce no quintal calcinado de dor.

sábado, 8 de março de 2025

Bastião

 Por Ronaldo Faria


Bastião pueril dessa terra atávica e trágica, feito cólica banal e carnal, que se basta feito haste de bandeira rasgada a tremular de teimosia como mula na feira sertaneja.
Na lonjura que os olhos dão a cada um de nós, nós de marinheiro para que se desatem dores que impedem flores de brotar na terra esturricada que o sol faz desabrochar.
Bastião, diminutivo de Sebastião, homem trôpego e troncho, trumbicado e andrajo, leva a boiada magra na estrada. A ele, a elegia de seguir a poeira da derradeira folia.
No estupor da finitude, entre a latitude e a longitudinal realidade, parelhas de bois em seus carros de madeira que rangem sons de saudade dão o tom voraz da imensidão.
Bastião, plausível a quem crer que a fé não falhará, pisa firme nos pedregulhos pontiagudos que separam o sertão do mar. No suor que desce, a prece ecoa a toa à chuva que cai.
Na devassa e cândida razão daqueles que se deitam para juntar corpos em cópulas e gozos, o infiel fel que a abelha não traz nas pernas para entregar o mel da sua única vez.
Bastião, plenipotenciário do anuário há muito já escrito e descrito, se desmancha na canja que Eufrásio dá no violão de catorze cordas, se é que tal instrumento possa existir.
Na madrugada devassada e transformada em fim de dor, o brilho que perpassa a luz da lua e bate no vidro sujo mostra, brilhante, que o ausente pode estar presente a sumir.

(Ainda com Gil e Caetano)

quinta-feira, 6 de março de 2025

O poeta profeta

 Por Ronaldo Faria

 


O poeta, profeta enfático e tácito de si, clama pelo coração vagabundo. No fundo, das profundezas onde as torpezas envolvem a certeza de ser a própria presa, há somente a mente que mente a si mesma de ser feliz enfim. No equinócio do princípio ínfimo que a finitude dá, eufórico prazer, a clareza de que a claridade dos faróis nada trará. Na voz da vida, entreouvida nas vozes que o som traz e agita, a agonia do desejo no ensejo de outro dia, qualquer que venha a ser ou seja, bocas e brumas de beira-mar.
O poeta, patético e feérico, frágil ser a caminhar nas estradas do que há por vir no próximo porvir, se volatiliza na palavra que o imaginário faz de extraordinário imprevisível e atávico. Nas rimas arrítmicas e lúdicas, em seus subterfúgios fugidios e trágicos, a prolixa asfixia que mata a poesia a cada dia. Talvez um resto de apoplexia, pedaço de vírgula malfadada, ignóbil maestria de viver na plena morte vazia. À sorte, nostalgia. Semente que cai num vaso qualquer e faz surgir a planta que cresce mais a cada dia.
O poeta, apóstata e profeta, estafeta que não consegue entregar a própria encomenda que nunca chegará, passeia em passos homéricos no tênis que, rasgado, sentencia que nem tudo é profilaxia, diamante ou jasmim. A enxergar o glamour que não existe e nem vem, segue horas e minutos, segundos argutos e plurais, a saber que portos no interior não aportam navios. Se muito, evocam odes plenas de frases com cheiro de alfazema, dessas que rasgam o primeiro amor nos beijos que os lábios transgridem em ser.
O poeta, clausula pétrea que a clausura da amarga servidão dá, sabe apenas que não há de ter pena em viver. Sonhar, talvez... Esperar, quem dera... Ter, ao Deus dará. Nas esquinas escondidas e lívidas, mágicas e maestrinas da insofismável sina, o rumo que outro prumo traz. Mas, em golfadas da nova realidade, diferente desse mundo, no cataclismo que o desconhecido traz, far-se-ia melhor ou igual? Entre perguntas, dúvidas e dívidas consigo mesmo, ele dedilha e encilha a fera que habita em si.
 
(Com Caetano e Gil)

terça-feira, 4 de março de 2025

Anjos em queda

 Por Ronaldo Faria


-- Há anjos decaídos?
-- Com certeza. Eles são os anjos que, ao cobiçarem um poder que está acima daquilo que podem ter se entregam às trevas e ao pecado. Por isso mesmo são expulsos do Paraíso.
-- E o que acontece com eles?
-- Sei lá. Estou longe de ser um anjo. E nem nasci para sê-lo. Vivo em total desmazelo. Não me cabe profetizar sobre anjos. Talvez, quem sabe, falar de demônios. Esses atônitos seres que vivem aos prazeres carnais e fatais.
João e José, debruçados sobre a vida e a mesa de um bar, falavam de Antenor, amigo querido que deu adeus à vida há centenas e centelhas de dias antes.
-- Você acha que o Antenor foi pro céu?
-- O que é o céu?
-- Não sei dizer direito. Mas acho que deve ser algo bom. Desses lugares que vale a pena estar. Como aqui. Eu enxergo o céu como uma grande e fraterna mesa de bar. Onde pecadores, querubins, santos e nós possamos nos reunir e contar todas as mazelas e quimeras vividas. E entre um gole e outro nos entregamos à derradeira luxúria, sem tristezas ou lamúria.
-- Até que seria bom se fosse assim.
-- Mas deve ser. Ou esperemos que o seja. Afinal, há que se pensar o melhor para, quando encontrarmos a foice do fim, sabermos que nem tudo foi tão ruim.
-- Bem pensado.
-- Mas esqueçamos da morte e pensemos na vida. Amanhã, tal que foi hoje, será outro dia. Aves acordarão logo cedo para cantar ou piar, gente estará nas conduções lotadas para enfrentar duras horas de trabalho, mais bebês explodirão ao primeiro suspiro e outros tantos seres se perderão ao derradeiro respiro. Enfim, a roda da vida a seguir o rumo no seu prumo, desde que o mundo é mundo.
-- É verdade. Um brinde, portanto, à vida!
-- Um brinde!
-- Que o próximo minuto seja o início contínuo de tantos outros muitos e os vários outros tantos muitos.
Numa casa próxima soa Tocata e Fuga em Ré Menor, BWV 565. Johan Sebastian Bach, do alto da eternidade, além de onde podemos crer ou imaginar, rege o órgão missal e um cravo. Logo mais o sol virá aplaudir a música das nuvens e, a se espreguiçar, verá que bonança chegará.

domingo, 2 de março de 2025

Stacey Kent já era ótima em 1998

Por Edmilson Siqueira


 
Nos dias 1 e 2 de fevereiro do longínquo 1998 foram feitas as gravações de um disco delicioso de ouvir, no Curtis Schwartz Studios, em Ardingly, Inglaterra. Trata-se de "Love Is... The Tender Trap" com a voz suave e delicada de Stacey Kent.
Já comentei discos dela aqui, principalmente por causa de seu amor pela música brasileira. Ela já gravou clássicos da bossa nova e tem disco com músicos brasileiros, principalmente Marcos Valle.  
Mas esse disco, apesar das inúmeras semelhanças entre a bossa nova e o jazz, é só de jazz nas 12 faixas.
Stacey Kent, à época com 33 anos (ela é de março de 1965) estava cantando muito bem e já com a devida experiência para não titubear diante de alguns clássicos do jazz norte-americano. Tanto que Jay Livingston - um compositor e letrista norte-americano, parceiro de Ray Evans mais conhecido pelas canções compostas para filmes com as quais chegou a ganhar 3 Oscars - escreveu no encarte que acompanha o disco: "É muito excitante encontrar uma jovem cantora que tem todas as qualidades das grandes do passado, qualidades às quais acrescenta seu próprio e individual estilo. Eu a ouvi pela primeira vez quando estava jantando no Hotel Landmark em Londres. Ela estava cantando com um grupo instrumental e eu me senti atraído por seu grande som no meio do jantar. E quando ela cantou a minha canção favorita entre todas que escrevi, 'Never Let Me Go', eu me levantei e fui falar com ela. Ela me deu um CD e quando eu o coloquei para tocar em casa sem o barulho dos talheres e das conversas eu percebi que ela era alguma coisa especial. Quando eu coloquei o CD para tocar, minha esposa saiu do quarto após os oito primeiros compassos e disse: 'Quem no mundo é essa cantora?' É isso que Stacey Kent faz: ela agarra você".

 
"The Tender Trap" foi apenas seu segundo disco, que já começava a cimentar uma carreira de sucesso. Nascida em South Orange (New Jersey), Stacey Kent graduou-se em literatura comparada no Sarah Lawrence College em Nova Iorque, e mudou-se para Inglaterra após sua graduação para estudar na Guildhall School of Music and Drama, em Londres. Nesta cidade conheceu o saxofonista Jim Tomlinson, com quem se casou em agosto de 1991. 
Sua qualidade artística lhe rendeu prêmios e grandes vendas: recebeu o prêmio de álbum do ano no BBC Jazz Awards, 2006, o prêmio de melhor vocalista no British Jazz Award (2001) e BBC Jazz Award (2002). Seu álbum "The Boy Next Door" foi disco de ouro na França em setembro de 2006. O álbum "Breakfast On The Morning Tram", conquistou o disco de ouro três meses após seu lançamento na França. E na França ainda, recebeu o título de "Chevalier des Arts et Lettres", condecoração do governo conferida pela ministra da cultura Christine Albanel, em março, 2009. 
No disco, Stacey é acompanhada por Jim Tomlinson (sax tenor), Colin Oxley (violão), David Newton (piano), Dave Green (baixo) e Jeff Hamilton (bateria). E o repertório, magnificamente interpretado, é o seguinte: 
- "The Tender Trap" (Sammy Cahn, Jimmy Van Heusen)
- "I Didn't Know About You" (Duke Ellington, Bob Russell)
- "Comes Love" (Lew Brown, Sam H. Stept, Charles Tobias)
- "In the Still of the Night" (Cole Porter) 
- "Fools Rush In (Where Angels Fear to Tread)" (Rube Bloom, Johnny Mercer) 
- "East of the Sun" (Brooks Bowman) 
- "Zing! Went the Strings of My Heart" (James F. Hanley) 
- "They Say It's Wonderful" (Irving Berlin) 
- "Don't Be That Way" (Benny Goodman, Mitchell Parish, Edgar Sampson) 
- "They All Laughed" (George Gershwin, Ira Gershwin)
- "In the Wee Small Hours of the Morning" (Bob Hilliard, David Mann) 
- "It's a Wonderful World" (Harold Adamson, Jan Savitt, Johnny Watson)

sexta-feira, 28 de fevereiro de 2025

Rapidinha

 Por Ronaldo Faria


Catorze é melhor do que doze. Uma dose é melhor do que overdose. Escrever, porém, não é melhor do que amar. Afinal, o ato secundário da prosa de corpos gera um centilhão de escritos posteriores. Enfim, de nós mesmos somos alunos e professores... A carência é a proficiência da dor.

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2025

Surgiu em Fagner...

 Por Ronaldo Faria


-- Nos escombros hediondos que os tontos catam nas lixeiras do mundo, a hecatombe da fome de viver!
-- Caralho, Jerônimo, que baita frase fodida!
-- Você achou? Saiu assim, de repente, sem dó. Dessas frases que emergem e surgem sem a gente saber e sequer possam existir.
-- Mas saiu bem. A velhice traz e traduz um monte de coisas que antes seriam só um credo e a inexistente cruz.
-- Acho que vou parar. Está difícil sair algo agora pra fora...
-- Sério? Acho que os seus neurônios estão vivendo em homônimos pensamentos que vez ou outra se vestem de roupa de poesia e voltam depois, no dia seguinte, em azia.
-- Concordo. Nem lembro mais do nome da única musa que guardo na edição da Playboy.
-- Aí fodeu geral. Será que ela ainda mora no Brasil ou correu pra Lisboa?
-- Sei lá. Nem mel consumo mais. As abelhas hoje morrem em nome do agro, que é pop.
-- Que bosta! A Terra está a descobrir seu fim entregue a uns seres que esqueceram ser ela o único lar.
-- Verdade. É muita maldade descobrir que milhões de anos sucumbirão à meia dúzia de seres que têm trilhões de moedas e deixaram tudo desmilinguir e faltar.
-- Vamos beber, pois. Se o próximo dia vai ser bosta, que o rebosteio seja total. De meia boca basta a boca que nem meia presença de beijo e lábio se faz.
-- É verdade. Como dizia o poeta, o cabra pode ser valente, mas na lembrança de um beijo chorar.
-- Choremos, pois. À luz dos pedintes de amor e paixão, nos façamos inócuos tatus que descobrem que na cidade grande em concreto existe um buraco no metrô.
-- Nas asas das brancas pombas que voam no sertão, o derradeiro coração que bate saudoso de antemão. E que possamos um dia voltar à ilusão que permeia poesia e mansidão.
 
Tudo que surge urge ser verdade. Que possamos descobrir a mentira que na soberba benfazeja crê ser eternidade...

terça-feira, 25 de fevereiro de 2025

Tony Bennett e Lady Gaga, um show

Por Edmilson Siqueira


Os quarenta anos que separavam Tony Bennett de Lady Gaga (ele é de 1926 e ela de 1986) não impediram que os dois se tornassem amigos e não só gravassem um disco maravilhoso em 2014, como esse disco se transformasse num show de televisão e, depois, num DVD. O show fez sucesso e tanto o CD quanto o DVD venderam muito.
Ambos, e não é pra menos, têm origem italiana. Ele nasceu Anthony Dominick Benedetto e ela Stefani Joanne Angelina Germanotta. Talvez a amizade, nesse caso, tenha ficado mais fácil. Mas como ambos são ótimos artistas - ele, um dos maiores cantores de todos os tempos dos EUA e ela, por sua versatilidade em gêneros musicais, perfomances chamativas, moda e estética extravagante, se tornou uma das maiores artistas musicais da atualidade.
O resultado não podia ser outro neste CD intitulado "Cheek to Cheek", nome também de um dos standards do jazz norte-americano. O concerto especial que virou DVD foi gravado ao vivo, mas o CD é de estúdio mesmo, com elaborada produção, uma grande orquestra e um quarteto fixo (Tony Bennett Quartet) formado por Mike Renzi ao piano, Gray Sargent na guitarra, Marshall Wood no baixo e Harold Jones na bateria.
Com o CD em mãos (comprei na "loja" do meu amigo Osny em perfeito estado e com direito a um cafezinho com bolo quando fui buscar - Osny e Marlene, já contei aqui, tinham a Hully Gully Discos. Fecharam a loja om a pandemia, mas continuam vendendo muito pelo Mercado Livre diretamente da casa deles no Jardim Chapadão, em Campinas), logo que voltei já coloquei no cdplayer pra ouvir. Algum coisa já tinha ouvido nas rádios que sintonizo, conforme escrevi recentemente, mas o disco todo é muito bom.



Na última apresentação que Tony Bennett fez em sua vida, já com o alzheimer avançado - mas ele não esquecia uma vírgula sequer das músicas - Lady Gaga entrou no palco para cantar com ele. Tony a viu entrando e disse: "Lady Gaga!". O que poderia ser um simples anúncio, causou grandes emoções na cantora, pois Tony já não se lembrava de quase nada, mas não titubeou quando viu a grande amiga entrando no palco. A cena está gravada e pode ser vista nos youtubes da vida e é realmente emocionante.
Acho que Tony jamais gravou música brasileira, mas confessou a Cesar Camargo Mariano que amava nossa música. Foi em Los Angeles, num estúdio do cantor, dirigido pelo filho dele, que aconteceu o encontro. Cesar Camargo estava gravando um disco com um violonista e Tony chegou e ficou ouvindo. Quando a gravação terminou, Tony foi falar com os músicos e, além de revelar sua paixão pela música brasileira, disse que um dos discos que mais ouvia era um brasileiro. Quiseram saber qual, mas ele disse que os dois eram muito novos para conhecer. Insistiram e ele disse: "É Elis e Tom". Sempre que estou em casa eu ouço esse disco". O violonista disse a Tony que o pianista ali presente foi um o arranjador e um dos produtores do disco, além de tocar em todas as faixas. E que a Elis era mulher dele. Cesar Camargo não conta o resto da história em seu livro de memórias  "Solo", mas Tony deve ter ficado boquiaberto.
O disco fez incrível carreira. O Google informa que Cheek To Cheek estreou no número um na Billboard 200 com 131.000 cópias vendidas em sua primeira semana de acordo com a Nielsen SoundScan, ganhando Gaga seu terceiro álbum consecutivo número um e o segundo para Bennett. Ele também liderou os álbuns de jazz e Bennett bateu seu próprio recorde - alcançado anteriormente em 2011 com o Duets II - como o mais antigo artista a ganhar um álbum número um nos EUA. A estreia também fez de Gaga a primeira artista feminina na década de 2010 a ter três álbuns número um. Junto com a Billboard 200 e álbuns de jazz, Cheek to Cheek também entrou no número quatro na tabela Top Digital Albums. Até fevereiro de 2018, ele vendeu mais de 760.000 cópias no país, tornando-se o sétimo álbum de Bennett desde que a Nielsen começou a rastrear dados em 1991, e o quinto de Gaga.
 
As músicas do CD são as seguintes:
-  "Anything Goes" (Cole Porter)
- "Cheek to Cheek" (Irving Berlin)
- "Don't Wait Too Long" (Sunny Skylar)
 "I Can't Give You Anything But Love" (Dorothy FieldsJimmy McHugh)
- "Nature Boy" (Eden Ahbez)
- "Goody Goody" (Matt Malneke e John Mercer)
- "Ev'ry Time We Say Goodbye" (Cole Porter)
- "Firefly" (Cy Coleman e Carolyn Leigh)
- "I Won't Dance" (Fields - McHugh - Oscar Hammerstein II - Otto Harbach e Jerome Kern)
- "They All Laughed" (George e Ira Gershwin)
"Lush Life" (Billy Strayhorn)
"Sophisticated Lady" (Duke Ellington - Irving Mills e Mitchell Parish)          
- "Let's Face the Music and Dance" (Irving Berlin
- "But Beautiful" (Johnny Burke e Jimmy Van Heusen)
- "It Don't Mean a Thing (Ellington Mills)
- "On a Clear Day (Burton Lane e Alan Jay Lerner)
- "Bewitched, Bothered And Bewildered" ( Richard Rogers e Lorenz Hart)
- "The Lady Is a Tramp" - Richard Rogers e Lorenz Hart)

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2025

Saudades promíscuas em tesão

 Por Ronaldo Faria


Saudade, essa palavra mais maldade do que mera insanidade do que traz em si. E se estranha nas entranhas seculares daquilo que gostaríamos ela o fosse, mas é apenas o que foi, intransigente e quente, carente e gemente, em única e uníssona devassidão.
Na saudade que hoje transborda sem borda infinita, nas águas a terminarem no jorro da mansidão, a inerente e ausente sensação. Não há muito a fazer. No desfalecer promíscuo que não nos é dado, uma mistura de Belchior, Fagner e fado. A foda, só no lembrar.
O acordar na noite, na verdade da madrugada infausta e fátua, dobrar centímetros íntimos e carnais, penetrar acalantos e carentes engenhos que dão melaço e loucura. Lamber lábios e pernas, poemas e versos, penetrações e ilusões que permeiam carentes canções.
Saudade, essa despretensiosa e única palavra do vocabulário errante que o ser arfante refaz em cada efeméride ciosa, é um palavreado verborrágico e atávico de quem pensou ser feliz. Hoje, nas entranhas estranhas de uma Tordesilhas infinda, o fim em ilhas malditas.
Na saudade que vem de cheiros, esmeros mil, o feitiço borbulha em bolhas amarelas. Um pouco de álcool, porque sem tal alquimia não se faz a magia. E assim e, portanto, no tanto a pode ser, o desejo que a saudade insurja limpinha na suja e clarividente manhã.
Na manha promíscua que a saudade nos dá, possamos enlouquecer e nas luzes de mercúrio nos darmos em dar. Certamente, na nossa mente que não para de relembrar, a certa incerteza daquilo que foi para sempre nos invadirá. À vida, clarividente restar...

sábado, 22 de fevereiro de 2025

Amanhã será um bode na sala

 Por Ronaldo Faria

 


Repetir o erro por repetir. Mas, não fosse tal erro, de que valeria viver?
 
Felisberto, esperto e presto a entender os ditames da vida, feito fosse mero robô na roubada entre recarregar as baterias ou murchar de vez, espera que o sono insone seja um trombone a soar nos ouvidos. E o acorde a querer correr entre um tropel de cavalgaduras humanas ou seguir alijado às lajes e cordas da rua, submerso nos seus mares deflagrados e amargos. Afagos, só das mãos em gozo subliminar e infiel à solidão.
Felisberto, ser imberbe e ignóbil corpo a latejar e rastejar na terra viva, vai a dedilhar teclas onde asseclas do bem-viver pregoam a imensidão. Na canção que percorre beijos ternos, a fuga dos eternos caminhos que o descaminho há muito traçou. Na caça que pede que a pele pare de morrer, esturricar, desaparecer, o grito de espera a acreditar que a morte trará, por fim, a entrega que a trégua da certa loucura não deixa tragar.
Felisberto, na concretude frágil que os tijolos do pensar dão, vai minuto a minuto a descer e subir na ladeira que o tempo faz. E se desfaz inócuo e loquaz. Ele sabe que a vida já lhe fez incrédulo e cego para dias em versos e reversos. O marasmo continuará a lhe deitar ao lado de um corpo inerte e que nada transpira ou inspira. Seu universo hoje se restringe ao timbre da saudade que sequer fluía uma sílaba além da verve efeméride canina.
Felisberto, peito aberto e incerto, rasgado de prolixa e finda arritmia, é apenas pena arrancada de um pássaro recém-nascido que deve ter morrido no canteiro a ser exterminado. Ao menos, pensa agora, o olho começa a piscar de nervoso. “Deve ser o mínimo de humanidade que há meses vivi.” No passado grandiloquente, repetido talvez, meses de poucos dias que tracejam a certeza de que há felicidade, seja rápida e efêmera no corpo da fêmea.
Felisberto, desperto em si e esperto ao tempo que se esvai no vaivém fugaz, pede apenas que a cena do teatro não termine com plateia vazia. Todo artista espera ao menos um aplauso ao acaso cansado da vida. Na perfídia efêmera da partida certa o que resta é festança que as noites sertanejas de fogueira e cheiro de lampião no querosene que foge para o ar a brincar de cor cinza. No jogral da sina, alguém goza a trepar enlouquecida por cima.
Felisberto, analfabeto e carente de afeto, como feto a comer as sobras da mãe famélica, apenas sabe que o hoje é o anteparo que o amanhã trará em remissão e visão de sempre a rotina cretina retomar. No mar, o ar que a maré e a maresia trazem na tradução espontânea e terna que a pele, na sua mais cutânea essência, não sabe traduzir. No vapor que a dor faz em eflúvio, a fugidia maestria de mentir a si mesmo que a estrela brilha no além.
 
Queria hoje estar a comer um meia-lua e mudar o destino ao desatino qualquer...
 
(No som do Zeca Baleiro)

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2025

Qualquer dia a gente se vê

 Por Ronaldo Faria

 

Odor de sete ervas a sair de um incenso para tentar aplacar a dor. 
A sobressair o gosto de sol ou de sal.

 Elza Soares solta a voz num teatro municipal. Ao assombro do poema marsupial, que tem medo de sair da bolsa da mãe ou do pai, rola o som idílico e fatal, quiçá letal. Do lado de fora, ao aforismo do mundo, dezenas de moradores sem-teto se prestam à folia que consome a ávida vida desde o homem Neandertal. Sobreviver, rever a infância frágil e trêmula, sorver nas latas de lixo o luxo que escorre dos prédios em interregnos e pregos despregados ao cair dos quadros pintados sem cor. Talvez, quem sabe, um ou outro sábio assoviará algo parecido com o canto do sabiá. Saber-se-á aqui ou mesmo acolá... No lugar, o arfar de suspiros de prazer ao comer suspiros da boulangerie.
Com a lata d’água a derramar gotas que escorrem do metal e percorrem o asfalto frio do anoitecer geral, segue a voz de Elza Soares a soar em vendaval. Na casa de madame, outra preta veste um avental para saber-se tal e qual. No morro, envelopado e mágico entre pontos cardeais e mortais, voláteis e letais, corpos se entregam ao zinco que já não existe e insistem em viver na xepa da feira. Logo mais, canta, haverá Carnaval. No palco, a deusa em ébano e cores apresenta a plateia geral. Noutro lugar, gozo tardio, fastio escondido em olhares de neto e dias mortos por serem sempre iguais no igual. No desigual calendário que o mais sedentário amor traduz em flow, torpor.
 
II
 
Quisera a quimera fosse apenas brejeira fera que ri de tudo e do nada. Feito fada, fosse mágica e também trágica, vivesse na esquina mais próxima ou na Capadócia. Que se chamasse Kátia ou Eudóxia. O nome, sabemos, pois, de nada vale naquilo que abale vale de cinzas ou dor.
Quisera, à primazia da fera que habita cada um de nós, que a quimera prevalecesse diante da inércia acidental ou ocidental. Na subida do morro, o barulho de atabaques que entoam louvores aos santos que descem dos céus para viver o sonho de verter mil pesadelos febris.
Quisera, agora no odor da arruda, ao menos encontrar o cursor que teima em invadir a segunda tela. Na feira das emoções tardias, barracas oferecem dúzias de saudades, pencas de esperanças, quilos de esperas entre danças e contradanças que nunca voltarão a existir.
Quisera, grandiloquente e temente da poesia seguinte, que o batuque envolvente e quente daqueles que se embriagam a ver o rebolado da passista como única verdade. Mas o tempo é extemporâneo e final. Em cacos de vidro e goles de baba, bebe-se a frágil maresia corporal.

terça-feira, 18 de fevereiro de 2025

Zonzo nas vozes femininas

 Por Ronaldo Faria

 


-- Zonzo, estou zonzo. Ando zonzo, a zonzear por aí, a descaminhar. A flutuar sem saber onde pisar. Com a bússola quebrada e o GPS sem sinal. Norte ou sul? Tanto faz. A zonzeira é que faz a rota, sob as rodas do tempo e sobre o vento. Sol ou negror lunar, o rumo é só de rumar pra nenhum lugar. A se largar... Ao lagar da vida, faço as pazes com a morte.
-- Não será essa droga de bílis de boi que está interferindo nessa letargia?
-- Sei lá. Pode ser. Também, diga-se de passagem, ela não serve pra nada...
Papo de boteco incerto e desconhecido, entre Antonio e Sebastião, vira quase sessão de análise ou sermão de padre que sonha com o pileque depois de dar a hóstia às carolas de altar.
-- E quando foi que você se descobriu esse zero às esquerdas?
-- Acho que quando decidi viver e não ter a vergonha de saber que não é certo sempre achar que se é feliz. Algo como a tal de Poliana da literatura a viver entre mesas de bar.
-- É, tem um pouco de razão. Como diria o poeta maior, a felicidade termina, a dor procrastina. Mas vem.
-- E quando chega é indômita e famélica, com toda a fome de prostrar corpos e copos.
-- Com certeza. Bebamos, pois!
Com a chegada nada pragmática do outono, a noite se assanha e se aporta mais cedo. E traz bêbados, trôpegos desejos, ensejos performáticos e atávicos. Trágicos, talvez. Mas, por sorte, chega um por vez. Os bêbados sentam e depois tropeçam ao sair. Os desejos se desfazem a cada passo ou saudade tardia. Os ensejos, esses ficam à espera de algum dia derrearem de vez. A tragédia é o arrolar de toda a trama. Agora, já noite, amoitada num canto de céu qualquer, a vida converge em negritude e luzes acesas de postes e faróis. Num mar distante, homens jogam ao mar da espera os seus anzóis na busca de novos sóis. Estes morrerão sós. Antonio e Sebastião, porém, semearão letras e trovas às trovoadas que chegam nos raios e corcovas de camelos da ilusão.
-- Zonzo, estou zonzo. Ando zonzo, a zonzear por aí, a descaminhar. A flutuar sem saber onde pisar. Com a bússola quebrada e o GPS sem sinal. Norte ou sul? Tanto faz. A zonzeira é que faz a rota, sob as rodas do tempo e sobre o vento. Sol ou negror lunar, o rumo é só de rumar pra nenhum lugar. A se largar... Ao lagar da vida, faço as pazes com a morte.
Nas caixas de som, a voz de mulheres que, alhures, rodam o mundo sabe-se lá para onde. Nalgum monte se amontoarão de orgia primaz.

Com os Paralamas do Sucesso e a porra de uns óculos que não dão pra ver a tela direito

 Por Ronaldo Faria Óculos trocado porque o outro estava embaçado. Na caça da catraca de continuar a viver ou da contradança do crer vai ag...