Por Ronaldo Faria
Carlito sai da repartição cabisbaixo. Sabe que não há muito a comemorar. Para no Amarelinho e pede um chope. “Porção?” – pergunta o garçom solícito. “Não, obrigado. Mas não deixe a serpentina esquentar. Muitos mais virão”, responde de forma educada e branda.
Seu dia foi redundantemente
repetitivo. Mesmas coisas, mesmos horários, honorários iguais. Nada aconteceu de
novo. Mesmo da janela taciturna da repartição nada que valha lembrar, além dos
pombos a cagar sem parar e arrulhar para uma pomba ou outra mais.
“Que merda! Vale a pena estar
aqui para vivenciar este fim de vida? Podia estar no São João Batista ou no
Caju que não faria a mínima diferença”, pensou. Aos poucos as luzes da noite se
sobrepõem ao entardecer. No entremeio de tudo, um sorumbático e vil viver.
“Garçom, traz outro!” A voz de
Carlito, como a mãe em vida o chamava, sai como um brado. O operário dos
desejos de bêbados e afins logo cumpre o pedido. Defronte ao bar, os poucos
pombos que não dormiram buscam quirelas pelo chão de pedras portuguesas.
No relógio do tempo e no
biológico, ambos sem lógica, as horas vão vivendo minutos argutos que correm
pelo esgoto. Um cheiro vem do Aterro do Flamengo com jeito de mar e orgia. Na
mesa solitária, Carlito parece aflito num conflito eterno de não querer
viver...
E o tempo cronológico verte
tão em desespero que se esvai. O garçom, solícito, solicita que ele deixe o
lugar. “Por favor, vamos fechar. Até Madureira é muito trilho pra andar”. Carlito
paga a conta. Agora é saber-se-á o que virá. Urina no Monumento aos Pracinhas...
“Perdeu! Perdeu!” Com um
revólver apontado para si, Carlito levanta as mãos. Diz que restam poucos
centavos, que vá buscar com o garçom. Não cola. Três tiros de um 38 enferrujado.
Cai exangue numa poça de sangue. Amanhã, pela hora, nem pé de página será.