Por Ronaldo Faria
Onofre, coletor de restos da sociedade, lixeiro de profissão, ser vivente sem opção, sabe que nunca será o final feliz. Perto de se aposentar por não mais poder correr como antes, sabe que a sociedade logo esquecerá que a sua saciedade era apenas ser feliz. A grã-fina nunca será sua. Logo ele que sua para recolher os restos de camarões, vinhos importados, postas de salmão defumado. Quem mandou não estudar!
Mas Onofre, que os ditames do amor presumido diriam ser apenas um bofe, promete que irá continuar para um além-mar. Ao menos os dentes que faltam não precisará colocar. “Se não tenho a quem beijar, pra que o dinheiro mirrado gastar?” Na rua que o calor faz da clarividência algo claro que desnuda qualquer pretume, a vida se perpetua como a “puta”, nua, que ganha centavos em penduricalhos.
No subúrbio, desses que parece o inferno onde nem o Diabo aguentaria tanto calor, o trem transita entre a linha tênue da morte e da vida. Na batida do cartão, na subida do caminhão que fede de antemão, Onofre é rei e vassalo. Seu reino é um todo e nada. Na notívaga certeza de que a ilusão é mote que faz a rotina girar, no goró que agora faz agourar, vai ele a jogar no caminhão os sacos cheios de algo assim.
E assim, assassinado naquilo que acreditava ser felicidade, Onofre caminha no descaminho que o samba diz ser de amor e beija-flor. Mas ele resiste, riste, naquilo que se chama aos dias que ainda virão antes da eternidade. Na serenidade dos goles que entorna na imaginação, ele ao menos espera na milhar do gato um dia ganhar. “Quem sabe Maria daí não redescobre a paixão que um dia pensou poder me dar?”
Dentro do caminhão, o motorista perpétuo xinga Onofre que esqueceu uma caçamba esvaziar. “Puta que o pariu, quer nosso ganhão pão foder?” Ao derredor, a madrugada pede para viver... Em algum lugar a moça cheia de cifrões curte a sua dor.