Por Edmilson Siqueira
Muita se fala até hoje - e lá se vai mais de meio século - dos festivais de música brasileira promovidos pela TV Record, então líder de audiência e com um elenco sob contrato que não deixava artista importante nenhum para as outras emissoras. A tv era em preto e branco, às vezes o sinal vacilava e a imagem virava um borrão e o som um chiado, muitas vezes o Rio só assistia a um programa de São Paulo no dia seguinte (não havia rede e a gravação seguia de avião) e vice-versa. Mas a gente se virava.
As noites de festival eram um acontecimento. Reuniam-se turmas em frente à televisão e até se organizavam torcidas. Os jornais todos cobriam com seus melhores jornalistas dos cadernos culturais e as músicas apresentadas - inéditas até então, no disco elas só sairiam depois do festival - eram discutidas em rodinhas por aí. A cada noite, havia quatro classificadas para a grande final, onde doze músicas disputariam a classificação. Se bem me lembro, havia uma classificação do 12º ao 1º lugar, mas só as seis primeiras eram reapresentadas na grande final. Foi, enfim, um tempo de efervescência cultural na música brasileira: grandes compositores se revelaram, outros se reafirmaram e alguns foram para o ostracismo, muitos injustamente.
Histórias sobre as noites dos festivais há muitas, e há livros por aí onde elas são contadas. E quem ainda desconhece o que foram aqueles anos, há um disco que pode dar uma boa demonstração. Trata-se de "Os Grandes Momentos dos Festivais de Música Brasileira", produzido pela Companhia Brasileira de Discos através do selo Phonogram.
Há vários outros discos com sucessos originários dos festivais, mas esse além de trazer gravações originais, informa o ano em que a música disputou e a classificação dela no final. E, entre as 12 músicas, há três que viraram clássicos da MPB e que não foram classificadas entre as 12 ou mesmo para a grande noite da finalíssima.
Pior aconteceu com "Eu e a Brisa", de Johnny Alf, apresentada por Márcia, hoje um clássico muito regravado por aí. Não ficou nem entre as quatro na noite que foi apresentada, ou seja, não foi para a final. Depois fez grande sucesso.
Já a ótima "A Estrada e o Violeiro", de Siney Miller, apresentada por ele e Nara Leão, também não ficou entre as seis primeiras, mercê sua extrema qualidade e beleza.
Já "Comunicação", de Edson Alencar e Hélio Matheus, cantada por Vanusa, ficou em terceiro lugar em 1969, quando muitos dos grandes compositores já não participavam mais de festivais.
A sétima faixa é de outra grande consagração dos festivais da Record: "Disparada", letra de Geraldo Vandré e música de Theo de Barros, cantada por Jair Rodrigues, que gerou uma enorme polêmica, em 1966, com a música seguinte, "A Banda" de Chico Buarque", apresentada por Nara Leão. As torcidas no auditório estavam divididas literalmente ao meio: metade queria Chico em primeiro, a outra metade, Vandré. O júri decidiu pela “Banda”, mas quem não aceitou foi o próprio Chico, que ameaçou não cantá-la novamente. Então a direção do júri resolveu premiar as duas em primeiro, como se tivesse havido um empate. Foi a decisão salomônica que acabou agradando a todos, mas gerando discussões sem fim sobre qual música era a melhor.
Quem vibrou com essa decisão foram Adauto Santos e Luís Carlos Paraná, autores da música que ficou em segundo lugar, "De Amor ou Paz", um ótimo samba. Ambos, quando foi anunciado o terceiro lugar, acharam que não tinham mais chance, já que o primeiro e segundo seriam de “Banda” e “Disparada”. Sem saber que o primeiro lugar seria dividido entre as duas, não entenderam nada quando foi anunciado "De Amor ou Paz" em segundo lugar. Mas choraram de alegria, abraçados. Quem sofreu um pouco com essa história foi a intérprete, a grande Elza Soares, que teve de enfrentar um auditório arisco, pois as duas torcidas achavam que a música preferida delas não estaria nem entre as seis. Mas ela enfrentou até vaias com galhardia, cantou o samba e saiu aplaudida.
A faixa seguinte traz um campeão de festivais, Edu Lobo, acompanhado de Gianfrancesco Guarnieri, que fez a letra para a música "Memórias de Marta Saré". Edu e Marília foram os intérpretes e ficaram em segundo lugar em 1968.
Por fim, fechando a seleção, o grande Gilberto Gil com a surpreendente "Domingo no Parque", que ele apresentou para espanto de muita gente, tal a qualidade da letra e o inusitado da música, uma mistura de baião e pop que agradou a todos. Só perdeu para "Ponteio".
No YouTube há vários vídeos com apresentações dessas e outras músicas dos festivais da Record. E o CD está à venda nos bons sites do ramo.