quinta-feira, 1 de setembro de 2022

O “Novelhonovo” do Nouvelle

Por Edmilson Siqueira 

O primeiro disco do Nouvelle Cuisine, lançado em 1988, foi todo em inglês. O segundo, de 1991, tinha apenas quatro das 14 músicas, em português.   Perguntado sobre o motivo de preferir músicas estrangeiras (a maioria norte-americana), um dos membros disse que não havia encontrado no repertório tupiniquim tantas boas letras que combinassem com o estilo do grupo. O estilo era mais jazzístico, cool, mas mesmo que fosse estilo folk dos gringos, ou pop europeu ou sei lá o quê, o que foi dito foi uma grande bobagem. Isso porque a tal da MPB tem tesouros e mais tesouros, em todos os estilos, com letras impecáveis e de fazem inveja em qualquer país. Jobim mesmo sempre se preocupou com as "versões" que sua música começou a ganhar nos EUA depois que a bossa nova estourou por lá. No início não conseguiu, mas salvou a maior parte da obra das "letrinhas" que queriam colocar nas sensíveis poesias dele, de Vinicius e de outros parceiros. 


Mas o Nouvelle, com certeza, percebeu que o que disse não tinha respaldo na realidade. O grande talento do grupo se fez valer no terceiro disco, lançado em 1995: das 14 músicas, apenas uma é do repertório norte-americano, a bela "Storm Weather".  


As outras treze foram garimpadas por aqui mesmo, numa ótima seleção que o quarteto soube muito bem interpretar, sem abrir mão do estilo. O disco se chama "Novelhonovo", um trocadilho que revela as misturas das músicas escolhidas, que passeiam por algumas décadas da MPB. 


A música que dá nome ao disco abre os trabalhos. É uma composição de Carlos Fernando, o crooner do quarteto, um cantor que, em sua curta carreira fez história na MPB, e se trata de um choro com ares de marcha muito bem resolvido e interpretado. 

Caetano Veloso, um dos grandes letristas brasileiros, comparece nas duas faixas seguintes, na primeira com "Festa Imodesta" e, na segunda, com "Os Argonautas", dois exemplos não só da inspiração musical do artista baiano, mas também do seu grande domínio da poesia necessária para suas canções. A segunda tem uma intepretação toda particular, cheia de elementos orientais, fazendo jus às origens do fado. 


"Três da Madrugada", de Torquato Neto e Carlos Pinto já aproxima a banda de seu habitat original. Um jazz puro com uma bela letra, uma lenta agonia de alguém procurando se encontrar no abandono da madrugada. 


Carlos Fernando volta na quinta faixa para a sua "Nada Vale", um bom samba sobre a realidade das favelas depois que o samba acaba. 


Outro sucesso conhecido vem a seguir: "Enredo do Meu Samba", de Dona Ivone de Lara e Jorge Aragão, iniciando uma sequência de alguns clássicos da nossa música, como "Oriente", de Gilberto Gil, "Canto Triste", de Edu Lobo e Vinicius de Moraes e "Preciso Aprender a Ser Só, de Marcos e Paulo Sérgio Valle.  


Uma parceria entre Carlos Fernando e seu colega do Nouvelle, Maurício Tagliasi, é a décima faixa do disco. A seguinte é a única em inglês, já citada, Stormy Weather, de Harold Arlen e Ted Kochler, com Carlos Fernando se sentindo bem à vontade para cantar em inglês. 


De volta ao samba, o grupo escolheu outro clássico, "Se Você Jurar", de Ismael Silva, Nilton Bastos e Francisco Alves, sendo esse último autor meio duvidoso, já que era quase um costume (ou uma imposição) de grandes cantores entrarem cono autores da música para que aceitassem gravar. Aqui, o samba ganha contornos jazzísticos e fica muito bom também. 


A sensível "Você Não Sabe Amar", de Dorival Caymmi, Carlos Guinle e Hugo Lima, é a décima-terceira faixa do disco que se completa com "Se é Tarde Me Perdoa", de Carlinhos Lyra e Ronaldo Bôscoli, um samba bossa nova, que o Nouvelle apressa o andamento, sem tirar a leveza da música e da ótima letra de Bôscoli. 

Trata-se, enfim, de um ótimo disco onde Carlos Fernando, Maurício Tagliasi (guitarra e violão), Luca Raele (piano e clarineta) e Guga Stroeter (vibrafone, marimba e pandeiro) que formam o Nouvelle Cuisine e mais oito músicos convidados, mostram seus talentos tanto na interpretação quanto nos improvisos cuja base é o jazz para fazer música da melhor qualidade.  


Depois desse disco, o Nouvelle ainda gravou mais um, em 2000, Free Bossa, mas sem Carlos Fernando. Ele havia saído alguns anos antes para uma carreira solo, mas em 2019, foi encontrado morto em seu apartamento, vítima de um enfarto.  


O disco Novelhonovo pode ser ouvido na íntegra no Youtube Music: https://www.youtube.com/watch?v=KDRBE7FeqQk&list=OLAK5uy_nVFG8zoDDmmWedI442Pg6OVUvyZh8rk48 e ainda está à venda nos bons sites do ramo. 

quarta-feira, 31 de agosto de 2022

Ao som do Bolero de Ravel

 Por Ronaldo Faria

Te ouço. Não te ouço mais. Te ouço. Não te ouço mais. Te ouço. Não te ouço mais. Te ouço. Não te ouço mais. Te ouço. Não te ouço mais. Te ouço. Não te ouço mais. Te ouço. Não te ouço mais. Te ouço. Não te ouço mais. Te ouço. Não te ouço mais. Te ouço. Não te ouço mais. Te ouço. Não te ouço mais. Te ouço. Não te ouço mais. Te ouço. Não te ouço mais. Te ouço. Não te ouço mais. Te ouço. Não te ouço mais. Te ouço. Não te ouço mais. Te ouço. Não te ouço mais. Te ouço. Não te ouço mais. Em mim, um passado de te ouço e não te ouço mais. Te ouço. Não te ouço mais. Te ouço. Não te ouço mais. Te ouço. Não te ouço mais. Te ouço. Não te ouço mais. Te ouço. Não te ouço mais. Um dia haverei e haverás...


terça-feira, 30 de agosto de 2022

Os "misteriosos" Wilburys

Por Edmilson Siqueira 

Quando eles se reuniram pela primeira vez, foi apenas para gravar uma música - "Handle With Care"- que seria o lado B de um compacto simples, tendo "This Is Love" (do LP "Cloud Nine") do outro lado. Só que o clima da gravação no estúdio de Bob Dylan em Santa Monica, na California, foi tão bom, que George Harrison, Tom Petty, Roy Orbison e o dono do estúdio, resolveram gravar um disco inteiro. A eles se juntou Jeff Lyne. Rapidinho juntaram suas músicas inéditas e, em dez dias, as gravações estavam prontas.  


Então os cinco resolveram lançar o disco num completo "anonimato". Ao grupo deram o nome de Traveling Wilburys e seus membros passaram a se chamar Nelson Wilbury (George Harrison), Lefty Wilbury (Roy Orbison), Otis Wilbury (Jeff Lynne), Charlie T. Wilbury Jr. (Tom Petty) e Lucky Wilbury (Bob Dylan).  


O volume 1 saiu em outubro de 1988 e alcançou o posto número 79 da lista dos 100 melhores discos dos anos 1980 publicada pela revista musical Rolling Stone. Posteriormente, seria indicado como Álbum do Ano no prêmio Grammy. 

Dois meses depois do lançamento, um dos "Wilbury" - Roy Orbison - morreu, mas, apesar do triste acontecimento, o grupo gravou um último álbum, mudando os pseudônimos de cada um, mas conservando o sobrenome Wilbury. Orbison foi homenageado na gravação do videoclipe da canção "End Of The Line": uma guitarra e um retrato dele aparecem no vídeo.

 

O segundo álbum, lançado em 1990, foi chamado de Traveling Wilburys Vol. 3, e seria o último trabalho do grupo. Pular irreverentemente a sequência cronológica ao nomear o álbum de "Vol.3" ao invés de "Vol.2" foi uma sugestão tipicamente beatle de George, bem ao estilo da sua ilustre banda anterior. O falecimento de Roy Orbison e a onipresença compositora de Bob Dylan no segundo álbum (mais da metade das canções foram compostas por ele), contribuíram para um final amistoso do grupo. 

Os dois discos fizeram bastante sucesso, chegando a paradas em vários países. Onze anos depois, em junho de 2001, os dois discos foram publicados em formato CD junto a um DVD adicional. 

E os dois discos são ótimos em se tratando do excelente pop rock que os membros produziram durante toda a vida. E, diga-se, os que sobreviveram continuam produzindo. Neles se encontra uma espécie de mistura dos vários estilos dos autores - todos compositores e cantores com carreiras mais que sólidas - sem que a individualidade seja prejudicada. Percebe-se claramente, para quem conhece um pouco da música produzida por eles, quem compôs e quem está cantando. Uma das músicas - "Reading For The Light" - que tocou bastante no Brasil, é de George Harrison e a gravação não fica nada a dever aos Beatles, já que George manteve o estilo que sua banda anterior impunha em cada música.  

Enfim, trata-se de um trabalho que os fãs de George Harrison, de Bob Dylan, de Roy Orbison, de Tom Petty e de Jeff Lyne vão gostar muito. Eu tenho os dois discos e ele vivem tocando aqui em casa.  


No YouTube eles estão presentes em profusão. Basta colocar o nome do grupo e aparecerão músicas dos dois discos além de cinco videoclipes de músicas dos álbuns e um documentário sobre as gravações, tudo reunido num DVD lançado em 2007. 



segunda-feira, 29 de agosto de 2022

Ao Paulinho Pedra Azul

 Por Ronaldo Faria

Olhares vagos e fátuos, largados entre dois olhos que pouco se veem, duas bocas que já quase não se beijam, dois peitos que ainda batem e rebatem além de um tempo sem areia, sem praia, sem céu azul a cair no negror da noite que vem tardeira. Antes da madrugada, a tragada que se larga no tédio da tarde, as mulheres que se entregam aos braços dos amados, a incerteza do final desigual do amor.

Olhares unidos entre retinas e íris que se juntam por um segundo ao menos. Entre as mesas de bar, perfídias se sobressaem. Em entregas esparsas, fugas desiguais, filmes sem vagalumes e lumes. Alhures, um pedaço de mãos dadas à beira-mar, areia a queimar os pés, igrejas de mil fés. Antes do amanhecer que vem aquecer, brilhos de luzes que perpassam nuvens no fugaz além do sentimento atroz.

Olhares ambidestros, catatônicos e transversos, à espera dos próximos versos, cansados de olhar para o além, vivem de recordações e vintém. Ao desejo, dão seu amém. E sonham em fazer o tempo voltar, o calendário queimar na parede e na rede. O dia, num frigir de ovos, tempera de temperos mil as têmporas à lua cris. Quem sabe um talvez, a tez que se cola e acaricia, o corpo desnudo da vida.

Olhares e frases soltas ao vento, acalanto ou lamento. Uma chuva que dá de presente o beijo do ausente a brincar de fugir e chegar. Na cena final, um gargalhar. Dois corpos ocos a oscular o que a vida olvida deixar. Suor que respinga no vazio que há entre dois seres e os anseios em praguejos voláteis e táteis. No interregno de tudo, quem sabe um bêbado mudo, um homem sisudo, o tempo a desvanecer...

sábado, 27 de agosto de 2022

Renato Teixeira

 Por Ronaldo Faria

Violeiro que toca e dedilha o violão, dá à tua mão um tanto de viola e canção. Canta à voz que partiu o trinar do tiziu, se este houver no horizonte em anil Brinca de tempo parado, de gesto largado, de andar pela estrada entre curvas e estradas. Fosse no asfalto da cidade, esquina haveria e faróis forrariam passos e arrancadas do coração num piscar sem parar. O lugar? O que há de ser lugar ou largar? Por isso o violeiro rasga os dedos nas cordas de aço e traz sensações e canções. Alguém, num dado desandar, saberá tais caminhos traçar.

Moça que se entrega aos insondáveis desejos do amante dissonante da vida deixa que a inverdade se invada de histórias e histriônicas saudades. Não deixe que o sono vire sonoridade desperta e dispersa. Sororidade inversa. Durma com a certeza de que amor maior não há. E se Deus existir, feito igual, ele nada terá feito ou fará. Nem mesmo com as certezas de um terço que a beata reza sem olhar. Na luz do lampião, o candeeiro saberá se iluminar. Deitada na sua cama azul, arreganhada, Nina vê o tempo canino discorrer, voar e nunca chegar.

sexta-feira, 26 de agosto de 2022

A bossa dos Stones

Por Edmilson Siqueira 

 O rock dos Stones, quem diria, virou bossa-nova e electro-lounge ou qualquer coisa parecida, entre as centenas de nomenclaturas que hoje permeiam a música em todo o mundo. Como sou do tempo do rock, do samba, do baião, do tango essas coisas meio antigas - o negócio agora é acid, heavy, hard, disco, rap, hip hop, o que não é bom nem ruim, vai depender sempre da qualidade musical da obra – estranhei um pouco ao ver música que curti adoidado como autêntico exemplar da mais pura rebeldia dos anos 60, cantadas num sussurro, acompanhadas de alguns sons elétricos, de uma bateria tímida e de um violão imitando João Gilberto.  


Essa introdução toda aconteceu em 2006, quando escrevi sobre os CDs "Bossa N' Stones - The Electro-Bossa Songbook Of The Rolling Stones Volumes 1 & 2". Era, são na verdade, a versão bossanovista dos maiores sucessos do grupo inglês, bem arranjados e bem cantados, se bem que suavemente, ao contrário do que costuma fazer Mick Jagger e sua turminha.  


E, claro, ficou bem. O pessoal que resolveu “domesticar” a música dos Stones - que era rebelde, sim, mas hoje soa como totalmente inserida no contexto, pra usar uma expressão consagrada pelo Pasquim, jornal famoso no Brasil nos anos 1960-70 - é competente.  

A única falha do CD é que não tem uma ficha técnica adequada. À época, pesquisei no Google, mas acabei encontrando pouca coisa. Hoje também é difícil achar referências, mas os dois CDs estão à disposição no YouTube (endereço abaixo).  


A melhor referência que encontrei estava em inglês, num site chamado Antartica: “Once again, a number of musicians from different latitudes have joined forces to bring a different perspective and have created a must-have album for all who enjoy really great music”. (De novo, músicos de diferentes latitudes juntaram forças para mostrar uma perspectiva diferente e criar um disco obrigatório para todos que realmente apreciam a boa música). No caso, o comentário é do segundo disco da série, por isso o "once again", mas vale também para o primeiro. 


 Os músicos de “latitudes diferentes” parecem comportar alguns brasileiros. Há, pelo menos, nomes como Banda do Sul, Astrud C., São Vicente, Corcovado Freqüency, Groove da Praia que soam como nossos.  

A escolha das músicas atravessa boa parte do que de melhor os Stones fizeram ao longa dessas intermináveis décadas de LPs e shows. Hoje só há três dos mais antigos (dois originais - Jagger e Richard) e um que chegou um pouco depois (Ron Wood).  

São 24 músicas, 12 em cada CD, desde "Fool To Cry" até "You Can't Always Get What You Want", passando por "Let's Spend The Night Together", "Ruby Tuesday", Jump Jack Flash", "Paint It Black", "It's Only Rock'N Roll" e muitas outras.  


Os CDs ainda estão à venda nos bons sites do ramo e podem ser ouvidos no YouTube nesse endereço: https://www.youtube.com/watch?v=Q6N9-2f1xYQ (volume 1) e nesse: https://www.youtube.com/watch?v=DBar49TCsCM&t=604s (volume 2). 

Cavaleiro solitário

 Por Ronaldo Faria O bar está fechado. Parece há tempo. Mas Hermínio não se dá por vencido. Enquanto houver uma sede por beber, beber-se-á. ...