domingo, 13 de abril de 2025
Miles Davis, Gil Evans e uma obra prima
sexta-feira, 11 de abril de 2025
A lua rosa
Por Ronaldo Faria
-- Qual?
-- A lua rosa, cheia, mas da mesma cor. Branca.
-- Por acaso, não. Não tenho tempo de olhar para o céu.
No palco inexato da paródia, como um paradoxo ácido e ávido de ser algo real, os dois traziam a verborragia dos bêbados à cena ideal. Letal, a cachaça descia tardia pela Rua do Lavradio. Pelos paralelepípedos, em epíteto trágico e volátil das palavras, escorria o verbo do verso no esgoto cercado de lodo. Um louco vaticinava o cenário que a cidade desbravava. Um grupo de idosos descia tempo a fora com suas bengalas e passados em passadas curtas. Uma pomba cagava sobre o carro importado sem se importar com a pintura cristalina. Uma ou outra nuvem iluminava o rosto da jovem anuviada pelo amor perdido e perfeito. No vazio de um peito atormentado, dentadas de bocas banguelas comiam o resto de farofa que o restaurante de luxo jogava no lixo. Nos lábios molhados e sedentos dos amantes púberes, a plúmbea lua rasgava as nuvens que se misturavam cinzas e límpidas. Em alguma nau catarineta o poeta marginal buscava o que rimar com ...
Como, raro leitor? O que aconteceu com Miriam Lane? O chá de bebê dela e do Pinguim está marcado para o próximo mês. Eles pedem, encarecidamente, por fraldas descartáveis. O super-homem, que poderia salvar a trama, estava de férias em Andrômeda e não ouviu os gritos da ex-amada do morcego que descansava em Bangu 8.
quarta-feira, 9 de abril de 2025
A Cazuzar
Por Ronaldo Faria
Ps.: coloque-se tudo acima no feminino e tudo que todes podem ser...
A ver as ondas reverberarem o barulho de espumas e mares ou marés, José e Kátia, catadores de sílabas e sons, solidões e tons, seguem a pisar a noite em grãos de areia e infinitas saudades. As maldades ficaram bem atrás, num mundo que ninguém mais traz. Sonhar? Saber-se-á. No raiar do amanhã, no afã de querer estar noutro lugar, talvez ambos ainda percorram os muitos bares que o bairro dá. O cheiro de brisa que vem do oceano e dos cigarros ciganos é só o que faz as luzes dos postes prostrar a solidão. Na imensidão que posterga o fim logo ali na frente, o infame drama daqueles que buscam a sensação de poder ser. Na Avenida Delfin Moreira, o definhado mendigo pede trocados e piedade. Nos prédios de milhões, a dúvida é chegar na meta ou dobrar depois que ela chegar.
José e Kátia tomam a chuva fina que cai dos céus da vida e das emoções. O lugar que os acolheu, não há mais. Os tempos mudaram. Fratricidas de si mesmos, descobrem que não há porque se machucarem pela pessoa errada. No mundo, não existe contos de fadas. Fodas talvez. E apenas sofismas em cataclismos de lábios conectados e a frase para a amiga da Barra: “Dedicaram um livro pra mim!” Por fim, no fim de correr e percorrer a Floresta da Tijuca, factível ensejo do desejo da índia primeira, as curvas do carro transbordam de certeza e sina a cisma de saber que não há para onde chegar. Ao fim de tudo, apenas o mar, sorrisos, corpos limítrofes a se tocar, carícias de abrir e fechar o lugar que Tom Jobim fazia questão de estar. Assim, personagens e performances abruptos rompidos e rasgados sem saber em que horas estão, viram passado, histórias histriônicas a relembrar saudades desmesuradas em engano. Porquanto, só pra rimar, a incerteza de que alguém voltará a atender o telefone e, após milhões de dias dizer, resoluta: “José?”
terça-feira, 8 de abril de 2025
O Cair da Tarde de Ney Matogrosso
Lançado em 1997, "O Cair da Tarde" é o décimo sexto álbum solo de Ney Matogrosso, um dos artistas mais versáteis e inovadores da música brasileira. Praticamente o único sobrevivente de um grupo que explodiu no Brasil na década de 1970, o Secos & Molhados, Ney construiu sólida carreira como intérprete, criando grandes sucessos e até hoje lotando casas de shows pelo Brasil afora.
Neste disco, Ney presta homenagem a dois ícones da música brasileira: Heitor Villa-Lobos e Tom Jobim, interpretando composições desses mestres com a participação especial do grupo instrumental Uakti. Esse grupo, por sinal, é também inovador e talentoso: produz um som único e muito bonito a partir de instrumentos que eles próprios constroem e tem agenda repleta de shows no Brasil e no exterior. E pra ficar melhor ainda, o Uakti não está só: há um grupo de instrumentistas, digamos, convencionais em todas as faixas.
O "Cair da Tarde" é composto por 14 faixas que exploram a riqueza da música brasileira, combinando elementos eruditos e populares. Entre as canções, destacam-se interpretações de obras de Villa-Lobos, como "Melodia Sentimental" e "O Trenzinho do Caipira", além de "Águas de Março", esse só instrumental com o Uakti.
O disco, como um todo, é uma demonstração cabal da capacidade de Ney Matogrosso de transitar entre diferentes gêneros musicais e de reinterpretar clássicos da música brasileira com originalidade e sensibilidade.
A surpreendente e sensacional colaboração com o Uakti adiciona uma dimensão única ao álbum, incorporando instrumentos não convencionais e sonoridades experimentais que complementam a voz distinta de Ney Matogrosso. Essa parceria resulta em arranjos inovadores que respeitam as composições originais, ao mesmo tempo em que oferecem uma nova perspectiva sobre elas.
Depois de "Cair da Tarde", o disco prossegue com as seguintes músicas:
- Modinha (Jobim e Vinicius)
- Veleiros (Villa-Lobos e Dora Vasconcellos)
- Tema de Amor de Grabriela (Jobim)
- Modinha (Serestas) (Villa-Lobos)
- Sem Você (Jobim e Vinicius)
- Melodia Sentimental (Villa-Lobos e Dora Vasconcellos)
- Canção em Modo Menor (Jobim e Vinicius)
- Prelúdio Nº 3 (Villa-Lobos e Hermínio Bello de Carvalho)
- Caicó (Tema folclórico)
- Cirandas: Se Essa Rua Fosse Minha, Terezinha de Jesus, Condessa, O Cravo Brigou com a Rosa (instrumental), A Maré Encheu e Passa Passa Gavião (instrumental)
- Trenzinho Caipira (Villa-Lobos com poema de Ferreira Gullar)
- Águas de Março (Jobim)
- Pato Preto (Jobim)
segunda-feira, 7 de abril de 2025
Na estrada de Lenine e Jackson do Pandeiro
Por Ronaldo Faria
-- Ele comprasse?
-- Comprou.
-- E pagasse?
-- Pagou.
-- E você cobrou o certo?
-- Decerto.
-- Como decerto? Cobrou ou não o certo?
-- Sei lá. Mal sei o valor das coisas. Ele pagou aquilo que você pediu.
-- E nem quis desconto?
-- Esse é o ponto. Quis.
-- E você deu?
-- Claro que não. Preço marcado é preço cobrado.
-- Fez bem. Então me passa a grana.
-- Que grana?
-- A que você recebeu pela venda.
-- Que venda?
-- A que eu te mandei fazer, caralho!
-- Essa? Essa não fiz.
-- Como não? Tu acabou de me dizer que faturou?
-- Me enganei.
-- Como assim?
-- Acabei embaralhando as ideias. Você pergunta muito.
-- E o que você fez com a mercadoria?
-- Troquei por um jumento com o Zé Lorota.
-- Como assim?
-- É que antes de encontrar o Bastião encontrei Zé Lorota. Ele viu o que eu levava e perguntou se eu queria trocar no jegue.
-- Como assim? E tu trocou?
-- Troquei. É que tu ainda não deu visão no Gumercindo.
-- Quem é Gumercindo?
-- o jegue!
-- Só pode ser brincadeira. Não acredito que você trocou a mercadoria num jumento.
-- Pois troquei. E nem precisa agradecer.
-- Agradecer? Você me fodeu!
-- Que é isso. O bichinho é novinho. Ainda tem muito pra viver.
-- Viver? É tu, seu cabra burro, que não tem mais vida pra cagada cometer!
Foram dois tiros certeiros: no peito e na cabeça. O “vendedor” nem precisou dar o último suspiro. Caiu sem estrebuchar. Logo ali do lado a feira de domingo rolava entre barracas de carnes, moscas e fubá. Mandioca, aipim e fruta de caju. E o barulho era tanto que o corpo só foi achado três dias depois por um moleque que corria atrás do maranhão perdido. Puto da vida com a grana da mercadoria perdida, o dono da venda tenta agora cruzar o jumento com sua égua preferida.
-- Pra alguma coisa essa merda tem que servir...
sábado, 5 de abril de 2025
Forfé geral e Zé Ramalho
Por Ronaldo Faria
-- Jeremias, tu me ama mesmo?
-- Claro, Marinalva. Daqui até depois do sol.
-- Que coisa mais linda de alguém falar.
-- Pra você eu serei sempre poeta. No funeral ou na festa!
-- Como você consegue rimar coisas tão díspares?
-- Disparo?
-- Deixa pra lá. Vem aqui me beijar.
O juntar dos dois surgiu de repente, no rompante que o amor dá e flerta em querer ser. Viram-se num entardecer na praça da igrejinha dedicada a São Simão. Ela comprava um sorvete de graviola. Ele ouvia a viola de Mestre Longuinho. Entreolharam-se de soslaio e dali surgiu um amor cheio de beijos e saudades afins. No outro encontro, sob o tronco de ingazeira, juntaram lábios e afagos, fogosos desejos e tragos de uma descansada em imburana que ele tinha trazido. Dali para depois não faltou nem um segundo. O mundo era pequeno para tanto calor e tocar, sublimar tristezas e desabrochar de riquezas. Eram potes e baús de gozo, salivas e trocar de gostos e gestos num gestual que nem mesmo o ser mais animal conseguiria fazer. E assim foram de encontro em desencontro a ver o mundo que não vai acabar. Mas, como em todo o conto de louvor há um Calabar, aos ouvidos do coronel Otílio a história foi chegar. Ferido no desejo de ver a filha casar com o varão do major Hermes Cançandão e juntar terras e riquezas, não pensou duas ou três vezes. “Antônio da Peixeira, vai na cidade e manda o sargento Pedro de Tonha descer o cacete geral. ” Nem precisou de resposta. O capanga montou o alazão e disparou pela estrada forrada de luar.
No bar do Crispim, ali aonde ainda tinha um pouco de felicidade, invadiram os oito soldados da lei que o grupamento dispunha. Coronel Otílio prometeu dar moedas que eles nem na melhor das loucuras saberiam dispor em alcunha. “Mas é só pra quem bater gostoso e bem dado. E em Jeremias vale isso e mais mil”, professa o cabra que dá as ordens do doutor. Depois de tal profecia, nem precisava cobrar que a coisa fosse bem feita. Rolou cacete e a cobra piou e a maritaca se arrastou. Quando os meganhas deixaram o lugar, estava tudo em cacos. Havia feridos, corpos ardidos, gritos urdidos. E lá num canto, sem encanto ou pranto algum, Jeremias jazia numa poça de sangue que parecia igual quando sua mãe teve seu cordão primeiro rasgado e partido.
-- E aí, tudo ajeitado?
-- Coronel, nem se você eu teria feito melhor ou igual.
-- Pague todos e deixe um troco para consertar o bar do Crispim. Diz pra ele que não foi nada de rixa. Só um acerto de contas. Senão, diga o que quiser. A vida é mesmo um faz de conta.
Seis meses depois, no dia de se casar com Carlão, filho do major Hermes Cançandão, Marinalva foi achada enforcada no pé de ingazeira, vestida de vestido de noiva e com um bilhete em que dizia sim para Jeremias. Nessa noite não houve folia. Deitado na rede a ver o mundão além das vistas que lhe pertencia, coronel Otílio disparou um tiro certeiro no coração.
quinta-feira, 3 de abril de 2025
Plantios
Por Ronaldo Faria
Plantemos cervejas e cerejas. Uma para cada instante. Para agradar o ébrio e o infante. Aquele que dilacera seu coração e o outro que sonha no frescor da dor. Por isso, deixemos esse plantio brotar, emergir da terra, se transformar em mares e cantos de bar, meros lugares a andar. E levemos a produção até o público final. Cada um, decerto, saberá ao certo fazer com ela aquilo que tiver de ser feito. No peito desnudo, para um o gozo e ao outro o universo, o seu mundo disperso. Logo, plantemos cervejas e cerejas e esperemos as chuvas e sóis que as farão surgir. E se urgir o desejo de tê-las antes dos brotos brotarem, possamos dormir profundamente para tudo não matar antes de ser. Nalgum lugar, além-mar, outro alguém estará as mesmas sementes a regar...
terça-feira, 1 de abril de 2025
Morar em Babilônia
Por Ronaldo Faria
Aurora, plenipotenciária senhora, jovem demais à eternidade e idosa dadivosa ao momento pleno, sabe que o agora é muito pouco. O homem que a segue, rouco, estupefato pelo fato de somente a conhecer, não passa de um louco a quem deixaram sair do hospício sem a camisa de força. Por ele Aurora tem pena. E nessa piedade segue a procissão que o padre Narciso, seguidor de Padim Ciço, clama por alívio da dor. Nela, uma ou outra beata chora lágrimas que podem fazer a semente brotar no chão esturricado e pisado do sertão.
O amanhã será, decerto e quase certo, incerto e presto, pronto, um novo incesto. No verso do sanfoneiro cego que toca debaixo do umbuzeiro, o casal acasalado e agarrado prepara o gozo que se fará vida nova para o lugarejo colocar na estatística do IBGE outro nascituro a menos. No rádio de galena surge o narrador a vibrar com o gol do Flamengo. Para Aurora, melhor fosse que no meio do rio seco surgisse a galera lusitana para navegar além da janela ou da gamela onde descansam as tripas do carneiro esquartejado.
-- Aurora, posso entrar?
-- Claro. Só não sei se terá cama para recostar.
-- Não tem problema. Não sei dizer nada mais que um fonema. Qualquer coisa, apelamos para telegrama ou telefonema... quiçá uma dança. Na eletrola, a folia vai rolar.
domingo, 30 de março de 2025
Clima de jazz
E são grandes mesmo. Olha só a seleção das 12 faixas: Stan Getz, Dave Brubeck, Stephanie Garappelli, Kai Winding, Gerry Nulligan, Dizzie Gillespie, Phil Woods, Winton Marsali, Chick Corea, Gary Burton, Art Blakey & The Jazz Messengers e Michael Urbaniak. Só cobra criada, como diria Adelzon Alves no programa "Amigo da Madrugada", lá na Rádio Globo do século passado.
Convenhamos: juntar um time desse num só disco já é uma façanha. Infelizmente, a única informação do pobre folheto do CD que tenho, é que todas as gravações foram produzidas pelo RTV Communications Group, da Flórida (USA). E o CD é inglês. Ainda bem que a lista das músicas traz os intérpretes, compositores e onde e quando foram gravadas.
Assim, é possível saber que a primeira faixa - "Autum Leaves" e apresentada por Stan Getz - é de autoria de Kosma, Prevert, Mercer e Parsons e foi gravada ao vivo num Concerto na Riviera, em Cannes (FR) em 23 de janeiro de 1980. Acompanharam Getz, Andy Leverne, Brian Bromberg e Chuck Loeb. E, como praticamente todas as outras faixas, se trata de um clássico, inclusive essa versão de Getz, que, digamos, viralizou à época, quando esse verbo só era usado em relação a perigosos vírus.
sexta-feira, 28 de março de 2025
À Justiça quase tardia
Por Ronaldo Faria
Rolou a tal determinação de
julgamento. Agora o jumento, cansado e manco de tanta espera, poderá ver a
carroça pelo homem se levar. A justiça, antes tardia do que nunca, em manchetes
e preces lúdicas e sofridas far-se-á. Gregos e troianos juntarão exércitos para
cantar na praça a prosaica canção de almas lavadas e renovadas, enxaguadas
quiçá. Crenças enxovalhadas às milhares de mortes conspurcadas e jogadas a sete
palmos servirão de aplausos tardios, mas vindos por fim. Bem vindos. A
história, essa senhora tantas vezes entregue ao nada, tragada por páginas mal
escritas ou proscritas, até riu discreta e soberba ao saber o desenrolar. Ao derredor
de tanta dor, condoída e torpe a estátua estática tira a venda que a cega e se
entrega ao clamor geral. Coisa de tempos antes que já sofrem de artroses por tal
esculacho. Num planalto seco e distante, entre ecos e outros tantos, o calendário
marca o tempo em que se escreverá nos capítulos dos livros de História, em homenagem
a Capitu, “perdeu, Mané”.
quarta-feira, 26 de março de 2025
Qualquer hora e nada será como antes
Por Ronaldo Faria
IV
terça-feira, 25 de março de 2025
Dois gênios do sopro juntos e misturados
Por Edmilson Siqueira
Mas "Kind of Blue" foi uma espécie de ápice do encontro desses dois. Antes, eles já tinham gravado muita coisa boa na Columbia. Pois o disco "Miles & Coltrane" da série "Columbia Jazz Masterpieces" junta diversas gravações dos dois: duas de 1955 e cinco de 1958. E os dois estão muitíssimos bem acompanhados, com Julian "Cannoball" Adderley no sax alto; Bill Evan no piano; Paul Chambers no baixo e Jimmy Cob na bateria. Todas as gravações de 1958 são com esse time. Já as duas últimas do disco, gravadas em 1955, não têm "Cannoball" e têm Red Garland ao piano e Phily Joe Jones na bateria.
Para se ter uma ideia mais precisa da qualidade desse disco, basta dizer que o mesmo time das cinco faixas iniciais, seria o mesmo que, no ano seguinte, estaria dando ao mundo o "Kind of Blues". Era o Sexteto de Miles Davis. E todos seus integrantes, com exceção de Jimmy Cob, tiveram grandes carreiras solos. Cob, baterista, morto em 2020, é considerado um dos grandes da história do jazz.
"Música brilhante de dois gigantes" - assim o crítico norte-americano de jazz Scott Yanow encerra um pequeno comentário sobre o disco. Antes, ele escreveu: "Além de duas seleções ("Little Melonae" e "Budo") de sua primeira sessão para a Columbia, este LP contém a apresentação completa no Newport Jazz Festival de 1958. Quando se considera que o sexteto de Davis na época incluía gigantes como o saxofonista tenor John Coltrane, o sax alto Cannonball Adderley, o pianista Bill Evans, o baixista Paul Chambers e o baterista Jimmy Cobb, não é de se surpreender que os fogos de artifício tenham resultado. Ainda assim, o poder e a motivação desta versão intensa de "Ah-Leu-Cha" são uma revelação, e a banda realmente balança e se estica em "Straight, No Chaser", "Fran Dance", "Two Bass Hit" e "Bye Bye Blackbird".
O LP Miles & Coltrane com as gravações de 55 e 58 (as últimas gravadas no Festival de Newport) foi lançado em 1988 pela Columbia. O CD que tenho é uma edição francesa, de luxo, com três encartes, dois com informações sobre o disco e outras gravações que a Columbia tem do sexteto de Miles, e o outro é o catálogo de jazz da Columbia, dividido em 8 seções: Reedições, Fusion, Artistas Contemporâneos, Jazz Vocal, Gospel, Blues, World and Jazz e Jazz e Cinema. Trata-se de um catálogo de fazer babar qualquer colecionador, pois nas 32 páginas do dito cujo, ao invés de lista com os nomes dos discos, estão 80 fotografias das capas dos discos. E, detalhe, entre elas, na seção World and Jazz, o disco "Brasileiro" do nosso maestro soberano Antonio Carlos Jobim.
Em 1955, Miles Davis já era um músico consagrado no mundo do jazz. Coltrane ainda iniciava sua carreira. Embora tocasse antes de 1955, seus principais anos foram entre 1955 seu encontro com Miles) e 1967, durante os quais reformulou o jazz e influenciou gerações de outros músicos. As gravações de Coltrane foram prolíficas: ele lançou cerca de 50 gravações como líder nestes doze anos, e apareceu em outras tantas lideradas por outros músicos. Ou seja, foi Davis quem proporcionou a Coltrane as condições para que sua arte aparecesse. E ele se sentiu tão seguro do que queria, que recusou fazer uma turnê para a Europa logo após a gravação de "Kind of Blue". Mas Davis insistiu muito e Coltrane acabou concordando.
Quando chegaram em Paris, Davis comprou, num antiquário, um saxofone e deu de presente para Coltrane. O que fez o músico mudar seu comportamento. Coltrane passou a excursão inteira tirando sons do sax e, nos shows, era o que fazia os improvisos mais longos e mais inusitados. O presente acompanhou Coltrane para resto da vida.
As músicas do disco o crítico Scott Yanow já revelou, mas vou colocá-las aqui novamente na ordem correta e com os devidos compositores:
1 - Ah-Leu-Cha (Charlie Parker)
2 - Straight No Chaser (Thelonius Monk)
3 - Fran-Dance (Put Your Little Foor Right Out) (Mils Davis)
4 - Two Bass Hit (John Lewis)
5 - Bye Bye Blackbird (M. Dixon e R. Henderson)
6 - Little Melonae (John McLean)
7 - Budo (Miles Davis).
O CD, não a edição de luxo francesa, pode ser encontrado nos bons sites do ramo. E pode ser ouvido na íntegra no YouTube: https://www.youtube.com/watch?v=7tIgg-zRqeM .
segunda-feira, 24 de março de 2025
Para Caetano cantar
Por Ronaldo Faria
Caetano, tântrico ser, que bom que pôde nascer nos arrabaldes de Santo Amaro que alguém purificou. Não o fosse, na fossa que a mais inócua e iniqua fossa dá, não poderíamos andar e desandar naquilo que nem o mar denota em lá. Na nata do leite sempre haverá coqueiro e paixão. Quem sabe, também, a sofreguidão que só a imensidão de oceanos nunca navegados nos faz tragados em tragos e subterfúgios naufragados e submissão. Graças aos deuses, sejam esses quem forem, a Bahia brindou de narcisos e mutantes os instantes que a instantaneidade traz. Assim, desde a baiana que tocamos as mãos no cinema numa sessão qualquer, depois de mortos nos vermos vivos e crivos, que o mundo possa prosear as lágrimas derramadas feito vaca profana encarquilhada. Senão, no não de arrependimento que só surge no dia depois, seja feita a vontade que se traduz. Na febre imberbe que delimita os dentes que faltam na boca informal, o poeta que nunca foi normal se traduza na busca anormal. Menino talvez, à busca de alguma tez. Lúcido e herói naquilo que fez. A relembrar camaleoas que beijaram sua boca, gemeram juntas no gozo único e dormiram ao lado a ladear e alardear que o dia seguinte não tarda a chegar. E como este será? Talvez o próximo êxtase fugaz, o silêncio mordaz, a sagaz blasfêmia entre o macho e a fêmea. Efêmera, a mórbida falácia irá sublimar aquilo que nem a maior presença do mar traduzirá em palavras. Nas lavras da vida, a sórdida e mórbida paixão não nos deixe a sublimar a cadente emoção...
sábado, 22 de março de 2025
No viajar
Por Ronaldo Faria
Clemente, comunista de carteirinha, mesmo que essa esteja amarelada e cheia de datas passadas, no passadio entre a loucura e a euforia tardia, acende mais um cigarro. Logo virá o catarro que povoa os pulmões no eterno instante. Cantante no cantar sem semblante, entorna outro copo de cerveja. Que Deus (ateu que é) não o veja. Seu paraíso ainda é Leningrado.
-- Você sabe quantos companheiros tombaram num sonho? É medonho descobrir que vidas que sonhavam um novo país justo tombaram em cubículos extremos, poças de sangue vazias e marés de mares que mais não se vê.
Do outro lado da mesa, no boteco incrustrado no subúrbio escuro, o amigo ouve a olvidar que o passado possa retornar e salvar as vidas decantadas e contadas em emoções mil. Que Maria viva e povoe o mundo de mais mil Marias que lutem libertárias e vivas. Que José traga o verso da revolução à realidade e a iniquidade e miséria sejam verbos do passado. Nas mesas que povoam a sequência estapafúrdia da geometria do bar que tenta faturar mais em menor espaço, outras conversas praguejam. Num ou noutro momento, um beijo. Logo mais, quem sabe, um sexo.
-- Você já pensou que não estaríamos aqui hoje se não fosse a coragem daqueles que tombaram em prantos?
Não. O ouvinte não havia pensado nisso. Submisso, omisso e constrito, não tinha atentado para os atentados políticos do passado. Talvez cansado de locupletar, prefira apenas ouvir e tomar. Na árvore perto, uma pomba perde as últimas penas. Logo vai morrer.
-- Você sabe o que é ultimar a vida a saber que seu desejo de juventude foi extirpado e arrancado por seres vis que sequer mereciam o nome de seres humanos?
-- Garçom, traz outra vodca!
Afonso, ser limítrofe e etéreo, prefere se embriagar e “viajar” de vez do que ouvir Clemente em seu verbo histórico e estoico. Ser etílico, profilático e tardio, vive a vaticinar seu destino sem tino ou desatino. Não quer ser nada além do que já é. Afinal, sabe que logo nada será. Todos, indistintamente, o serão: pó e solidão fechada no afã que nunca existirá. À exaustão de querer ser feliz, na infausta sodomia tardia, quer apenas ter um fim, pagar a conta e sair para o seu quarto e sala. Viver seu ínfimo fim.
-- Clemente, já estou bêbado. Preciso agora só de um Uber e, quem sabe, beber em cassa minhas tragédias pessoais e casuais. Pede a conta!
Companheiro acima de tudo, ligado umbilicalmente a seus pares, Clemente levanta a mão e faz o sinal de fechou. A literatura comunista pode esperar o ouvinte voltar à normalidade. A cidade, catastrófica e utópica, claustrofóbica a jorrar nas vazias carótidas, dorme sob as luzes ergofóbicas. O garçom, expropriado e crente de que é assalariado naquilo que faz, agradece os dez por cento. Na televisão passa o tento que o goleador do time adversário faz. No fim do mês, o salário estratosférico do jogador paga centilhões de caipirinhas que o garçom nordestino de nascença deixa às mesas todo dia.
-- Já está pago, companheiro. Que a vida nos possa prover de algo mais...
quinta-feira, 20 de março de 2025
Mestre batuqueiro
Por Ronaldo Faria
Com os Paralamas do Sucesso e a porra de uns óculos que não dão pra ver a tela direito
Por Ronaldo Faria Óculos trocado porque o outro estava embaçado. Na caça da catraca de continuar a viver ou da contradança do crer vai ag...

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