Não, Pixinguinha não faria 100 anos neste ano. Já teria
feito em 1997, ele que nasceu no fim do século 19, em 1897. O título desse
artigo se refere a uma homenagem feita a ele, exatamente naquele ano, com o
lançamento de um luxuoso álbum, com dois CD, um magnífico encarte e belas capas
duras. Coisa de primeiro mundo, rara por aqui até hoje.
Talvez se conheça pouco da obra desse grande mestre da
música brasileira. Você citaria, de cabeça, cinco músicas dele? Além de
Carinhoso, Rosa e Lamentos, fica difícil, né? (aliás, se tivesse feito só essas
três já teria sido genial). Mas Sérgio Cabral, o pai, jornalista, biógrafo e
grande conhecedor da música popular brasileira, considera Pixinguinha um dos
três maiores nomes da nossa música.
Pois ele e Hermínio Belo de Carvalho são os autores dos
textos que acompanham a luxuosa edição dedicada a Alfredo da Rocha Vianna
Filho, o Pixinguinha, compositor, arranjador, maestro, professor, flautista e
saxofonista. E bom em tudo isso.
"Ago Pixinguinha - 100 Anos" é o nome do álbum,
um projeto artístico e uma produção de Herminio Belo de Carvalho que é nada
menos que pesquisador, escritor, autor de letras memoráveis da nossa música
(inclusive parcerias com Pixinguinha) e que dedicou toneladas de linhas ao
mestre, sempre louvando sua genialidade.
As gravações das 20 faixas dos dois CDs, com exceção das
gravadas ao vivo, foram realizadas nos estúdios da Som Livre e reuniram times
fantásticos de músicos, arranjadores e cantores. O resultado foi um painel
precioso da obra de Pixinguinha, passando tanto pelas músicas com letras
antigas e com algumas atuais, bem como com as instrumentais, que revelam toda a
qualidade e complexidade das composições de Pixinguinha.
Como se não bastasse todo esse material de primeira
qualidade, o encarte que traz um lindo texto de Hermínio e uma apresentação
deliciosa escrita por Sérgio Cabral, é ocupado, em sua maior parte, por uma
enorme entrevista com Pixinguinha, onde ele conta tudo que se lembra de sua
vida, inclusive o ano que passou tocando, com seu conjunto, na Europa, mais
precisamente em Paris. Sim, os franceses apreciaram também a genialidade de um
grupo de músicos brasileiros no início do século passado, de novembro de 1921 a
abril de 1922.
Como menciona o ótimo site "Brasilian Fotográfica"
(https://brasilianafotografica.bn.gov.br/?tag=shererazade-dancing): "Foi o
primeiro conjunto brasileiro a apresentar na Europa a música urbana produzida
no Rio de Janeiro na época. Tocaram durante os seis meses que ficaram em Paris,
na época a capital cultural do mundo, choros, maxixes, polcas, tangos
brasileiros, sambas, lundus, batuques, valsas, cateretês, emboladas, cocos e
toadas sertanejas. Chegaram em 11 de fevereiro, no porto de Bordeaux, na França
e foram recepcionados na Gare d´Orsay, em Paris, no dia seguinte, pelo Duque e
pelo jornalista Floresta de Miranda, secretário particular de Guinle. Nos meses
seguintes, como Les Batutas, seriam atração fixa numa badalada casa noturna de
Paris, o dancing Shéhérazade, na Faubourg Montmartre, 16."
A entrevista é, na realidade, uma síntese do depoimento
que Pixinguinha deu ao Museu da Imagem e do Som do Rio em 6 de outubro de 1966
e 23 de abril de 1968, depoimentos esses que envolveram como entrevistadores, o
próprio Hermínio, Cruz Cordeiro, Ilmar Carvalho, Ari Vasconcelos, Hélio Marins
e Jacob Bittencourt (Jacó do Bandolim), e tiveram a direção de Cravo Albin,
diretor do Museu.
O depoimento, para
se ter uma ideia da abrangência, começa com Pixinguinha explicando seu apelido
que, na verdade, era Pizinguim, que foi dado pelo sua avó, africana, (numa
época de epidemia no Rio, ele contraiu a doença chamada "bexiga" e o
apelido virou Bexiguinha, depois Pexinguinha que ele não sabe como virou
Pixinguinha) e vai até seus sentimentos de completar 70 anos e ter esperança de
viver mais "uns dez anos pelo menos", o que não ocorreria, pois ele
morreria cinco anos depois do segundo depoimento, em 1973.
Mas é um depoimento sensacional, não só pelo que diz o
mestre, mas por pelo fato de seus entrevistadores serem todos grandes
conhecedores da vida e da obra de Pixinguinha.
Os dois discos são de dar água na boca do apreciador da
boa música brasileira. Com arranjos modernos, ótima gravação, as músicas contam
com a fina flor da interpretação brasileira. Segue a lista (entre parênteses
estão os parceiros de Pixinguinha, alguns dos quais colocaram as letras muito
depois das músicas feitas ou mesmo depois que Pixinguinha já ter morrido):
Disco Sambando, Chorando
1) Carinhoso (com João de Barro) - Nana Caymmi
2) Mundo Melhor (com Vinicius de Moraes) - Alcione
3) Rosa - Caetano Veloso
4) Lamentos (com Vinicius de Moraes) - Chico Buarque e
MPB4, na melhor gravação cantada dessa música
5) Fala Baixinho (com Hermínio Bello de Carvalho) - Maria
Bethânia
6) Cochichando (com João de Barro e Alberto Ribeiro)-
Zezé Gonzaga e Eduardo Dusek
7) Gavião Calçudo - Zeca Pagodinho
8) Um a zero (com Benedito Lacerda e Nelson Ângelo) -
Arranco de Varsóvia
9) Vou Vivendo (com Benedito Lacerda e Hermínio Bello de
Carvalho) - Cristina Buarque e Sérgio Ricardo
10) De Mal Pra Pior (com Hermínio Bello de Carvalho) -
Paulinho da Viola
11) Página de Dor (com C. Nunes) - Ney Matogrosso
12 - Benguelê/Yaô (com Gastão Viana) - João Bosco
13) Ingênuo (com Benedito Lacerda e Paulo César Pinheiro)
- Simone e Baden Powell
14) Patrão Prenda Seu Gado (com Donga e João da Bahiana)
- Fundo de Quintal
Disco Tocando, Tocando
1) Carinhoso (com João de Barro) - Tom Jobim
2) Rosa - Hermeto Paschoal
3) Tapa Buraco - Radamés Gnatalli e Camerata Carioca
4) Um a Zero (com Benedito Lacerda) - Raphael Rabelo e
Paulo Moura
5) Ingênuo (com Benedito Lacerda) - Radamés Gnatalli, Seu
Sexteto e Edu
6) Naquele Tempo (com Benedito Lacerda) - Baden Powell
7) Marcelo Quer Água - Camerata Carioca
8) Pula Sapo - Pixinguinha
9) Urubatan (com Benedito Lacerda) - Pixinguinha
10) O Gato E O Canário (com Benedito Lacerda) - Água de
Moringa
11) Samba do Urubu - Pixinguinha
12 Lamentos (com Vinicius de Moraes) - Jacob do Bandolim
e Época de Ouro
13 Proezas de Sólon (com Benedito Lacerda) Jacob do
Bandolim e Época de Ouro
O álbum está à venda nos bons sites do ramo com preços
variados. E podem ser ouvido na íntegra em https://immub.org/album/ago-pixinguinha-100-anos.