Bar a meia luz, como já mostrou o profeta. Na garganta e nas bocas, goles de bebidas se enroscam na língua enrolada do fim de noite etílica. Casais embriagados de desejos e amor, que usarão as mesmas gargantas para tantas coisas mais, como beijos, arrotos, vômitos, juras de amor eterno e terno. Solitários também estão a se entregarem à volta para seus mundos solitários, assim como garçons a pedirem que Deus expulse do lugar todos os restantes. “Já coloquei todas as vassouras, rodos e escovões detrás das portas. O que mais faço pra fazer esses merdas partirem daqui?” – perguntava a garçonete novata desesperada para conseguir pegar o último ônibus de linha antes do amanhecer, algumas poucas horas logo, perto e depois. Sem apóstrofe para conseguir escrever ou descrever a métrica cena, o poeta risca no guardanapo todo o papo que depois relatará ao fim.
No delírio das borbulhas que sobem nos copos, soçobram delírios, lírios nunca plantados, átomos de células dispersas sem pressa de chegar. Sentado num banco de praça que descansa corpos saídos do bar e já viu até alguns dormirem a ressonar o sonhar daquilo que poderia ter sido, cadências surgem a povoar a imaginação. Vagamente, como deve ser toda a mente carente de semente a brotar do amor, os minutos vão rareando, pombas fazem seu barulho de arrulhos e mendigos, dignos de sua função, não interrompem a cena finda. “Graças aos céus o último pediu a conta. Acho que ainda dá tempo, se correr, de pegar o busão”, fala a moça que espera ver a filha acordar antes da escola de manhã. Na cozinha, Dona Graça, cozinheira e mãe de santo, agradece às entidades o fim do expediente.
No céu, a lua, se a poesia parnasiana ainda estivesse em voga, enterneceria até o coração mais rude. Ao léu, na utopia do sol que quer retornar pé no ante pé, penalizado com a conta de luz que os pobres mortais pagam no final do mês, as encostas e morros se cobrem de nuvens no arrabalde da fase romântica da vida literária. Na rua e nos olhos circulam a morena de Ipanema a viajar delirante na sua loucura nunca refeita, feito personagem prostrada na estrada cercada de mata virgem. Na loucura que a ternura posta feito meliante diante da prisão inevitável, o afável soluço do luto inenarrável. No meio de tudo, as letras que escurecem a tela branca de milhões de pontos ligados ao criar. O mar? Este, longe, sombreia de maré e maresia a orgia que não aconteceu. Tardia, a rebeldia de pensar fez antever e ver o prólogo que a cortina fechada do final não deixou o pano baixar.