terça-feira, 20 de maio de 2025
Zé da Velha e Silvério Pontes celebram a MPB *
segunda-feira, 19 de maio de 2025
Na meia luz (ao som de Roberto Menescal)
Bar a meia luz, como já mostrou o profeta. Na garganta e nas bocas, goles de bebidas se enroscam na língua enrolada do fim de noite etílica. Casais embriagados de desejos e amor, que usarão as mesmas gargantas para tantas coisas mais, como beijos, arrotos, vômitos, juras de amor eterno e terno. Solitários também estão a se entregarem à volta para seus mundos solitários, assim como garçons a pedirem que Deus expulse do lugar todos os restantes. “Já coloquei todas as vassouras, rodos e escovões detrás das portas. O que mais faço pra fazer esses merdas partirem daqui?” – perguntava a garçonete novata desesperada para conseguir pegar o último ônibus de linha antes do amanhecer, algumas poucas horas logo, perto e depois. Sem apóstrofe para conseguir escrever ou descrever a métrica cena, o poeta risca no guardanapo todo o papo que depois relatará ao fim.
No delírio das borbulhas que sobem nos copos, soçobram delírios, lírios nunca plantados, átomos de células dispersas sem pressa de chegar. Sentado num banco de praça que descansa corpos saídos do bar e já viu até alguns dormirem a ressonar o sonhar daquilo que poderia ter sido, cadências surgem a povoar a imaginação. Vagamente, como deve ser toda a mente carente de semente a brotar do amor, os minutos vão rareando, pombas fazem seu barulho de arrulhos e mendigos, dignos de sua função, não interrompem a cena finda. “Graças aos céus o último pediu a conta. Acho que ainda dá tempo, se correr, de pegar o busão”, fala a moça que espera ver a filha acordar antes da escola de manhã. Na cozinha, Dona Graça, cozinheira e mãe de santo, agradece às entidades o fim do expediente.
No céu, a lua, se a poesia parnasiana ainda estivesse em voga, enterneceria até o coração mais rude. Ao léu, na utopia do sol que quer retornar pé no ante pé, penalizado com a conta de luz que os pobres mortais pagam no final do mês, as encostas e morros se cobrem de nuvens no arrabalde da fase romântica da vida literária. Na rua e nos olhos circulam a morena de Ipanema a viajar delirante na sua loucura nunca refeita, feito personagem prostrada na estrada cercada de mata virgem. Na loucura que a ternura posta feito meliante diante da prisão inevitável, o afável soluço do luto inenarrável. No meio de tudo, as letras que escurecem a tela branca de milhões de pontos ligados ao criar. O mar? Este, longe, sombreia de maré e maresia a orgia que não aconteceu. Tardia, a rebeldia de pensar fez antever e ver o prólogo que a cortina fechada do final não deixou o pano baixar.
sábado, 17 de maio de 2025
Piramboia da parafuseta
Por Ronaldo Faria
Será aqui o final do meu lugar?
Cheiro de unção na voz silenciosa e ciosa.
Belicosa gramatura de papel.
Sob o véu, há beijo ou fel?
Encoberta, a vértebra é mel.
Mas, ao fundo, dói pra dedéu.
Ao preço da cerveja antevejo virar pinéu.
Cobrir vício sem sevícia é só léu.
Justiça existe? Só se for chegar no rio em chiste.
Nalgum bolso os dedos se cobrem de cobres.
Neles está a magnânima fragrância.
Poucos, porém, a podem borrifar.
Vilipêndios nos compêndios.
A estátua de olhos cobertos chora sem dó.
Na faculdade o menino treme de medo.
“Será que vou dar jeito por aqui?”
Mal sabia que somos todos só ironia.
Entre tantos 171 viraria quase supremacia.
Lembrança ancha a segurar o copo que caía.
Na rede a embalar o bel prazer de Bel.
Pichações de ações e canções ultramarinas.
Nomes, sobrenomes e pronomes.
Votos, vestes e loucos revezes de vezes perdidas.
Na festa louca, até fezes no quarto escuro de fotos.
No não voltar, não há como retornar.
Mesmo que agora falte um tanto de ar.
Jaca mole, tanto se come até que se empanturra.
No reco-reco, batuca o tico sem o teco.
Como diria no passado, milorde é picardia. E que se foda!
Kriptonita no Super-Homem dos outros é refresco.
Versos no guardanapo da água furtada.
Na fruta comida, formicida do depois solitário.
Refratário, o poeta sofre com aquarela transversa.
No esquecer, o foder com o sofrer ao alvorecer.
Feito bicho da seda, falta seda para enrolar.
Na festa se atesta a testa colada no testículo.
No sertão o luar agrada até sapo que vai morrer no sal.
A ver o boi mugir, saudade do filho perdido.
Na verdade, só a vaca com as tetas de leite lembra dele.
E como é bom relembrar a lenha no fogão a crepitar.
A brincar de carro de bois em sabugos de milho.
Fugir das abelhas da África prontas para picar.
E saber e crer que em algum momento fui feliz.
No barulho da cachoeira a beijar a índia finda.
A descer a floresta e cobrir de corpo desnudo a amada.
Ser dono de si e também nada conseguir ser.
Mas, para quê serve essa vida sem amanhã?
No deletério etéreo de bolas a balangar, o criar.
No som, Caymmi diz que vai só, mas vai. Eu idem.
Afinal, no final só nós iremos saber-se-á pra aonde.
Nas sobras e sombras das luzes e dos minutos, seguiremos.
Aos amores antigos e lúdicos, meu eterno amor.
Até dedicação na lembrança do infortúnio do coração.
Lúcido ou embriagado, tragado e chinfrim, estarei aqui.
E se me sobrarem segundos sem dor, escreverei.
Escribas de nós mesmos, aprendemos a cada dia a sermos.
Nos cadernos de caligrafia sem rima, subverteremos.
Enganaremos a nós burros mesmos, a esmo.
Mas, tontice da vida, viveremos mesmo assim.
Com sangrias, entranhas múltiplas, estranhas luas.
Pororocas múltiplas nos faremos rio e enchentes.
Nas muitas gentes travestidas de nós, renasceremos em flor.
Brincaremos de ser e crer, malfadados e dados retardados.
Como dardos, seremos lançados no destino.
quinta-feira, 15 de maio de 2025
Na citronela sem ser vela
Por Ronaldo Faria
Quase noite ou quem sabe madrugada, citronela queima na procela da vida. “Quem sabe ela espanta o mal do meu sorriso?” Marcos, marco próprio do impropério etéreo ser, esperava que o incenso sem senso ou marca ao menos impedisse que o pernilongo barulhento dos ouvidos alheios o deixasse em paz. “Mas, agora, tanto faz... Meu amor, mordaz, já não me apraz.” Teclado nos dedos sem enredo, seguia seus santos vorazes e tantos exus sagazes. No exangue sangue que corria entre o coração e as veias, jatos de versos e canções jogavam poesia nas suas desilusões. A todas ou todos, as melhores e predestinadas unções.
No mar silencioso e cioso de amores que chegarão com a madrugada deitados em camas de algodão ou estofados de carros populares, o cheiro e a brisa de cigarros mil. Nas ervas que dizem ser das trevas, a liberdade da nostalgia que flui sem parar. Certamente, em algum lugar do mundo, Efigênia, Lucrécia ou Valentina estarão a sonhar sua própria ilusão. Já noutro, inverossímil e torto, Honório, Tarcísio e Otílio se embriagarão de desejos e sofreguidão. Cáusticos, todos eles e elas, nas procelas, povoarão seus vinténs e infaustos em único porém.
terça-feira, 13 de maio de 2025
Nome composto pra abastecer no posto ou bater no poste
Por Ronaldo Faria
Na dimensão entre a loucura e a razão, como camaleão que se equilibra para não despencar do galho fragilizado no chão, Diogo Baltazar, que creditava ao seu nome composto todo o azar, caminhava ao lado de Beatriz, sua nova fada. Linda, sensual, mulher dessas que depois do primeiro beijo tem que se levar sem pensar para o altar, ela completava e locupletava cada trama alternada do seu jeito bipolar. Diogo Baltazar sabia que agora, se chovesse canivete, ele pegaria cada um e usaria como gilete no barbear. Beatriz tinha gosto de anis, seus olhos brilhavam como luar cris, seu corpo não precisava nunca que se passasse um mero esmeril. Era perfeito. Cada curva, cada pedaço, cada minúsculo detalhe, todos eram aquilo que o escultor mandava sua estátua de mármore falar. Impossível melhorar.
“Meu nome que rima com azar, depois de Beatriz, nunca mais me incomodará. Posso me chamar Cagalhão Dramalhão, Lupércio do Trapézio Cortado, Joselito Piroca Murcha, tanto faz. Nada mais me faz deteriorar”, pensou no seu métrico pensar. Estar ao lado daquela deusa era tudo que poderia sonhar. Afinal, ele sabia que se Vinicius e Tom estivessem vivos a garota trocaria de Ipanema sem pagar aluguel ou mesmo seguir além-mar. Beatriz seria a musa difusa de todos poetas, profetas, pragmáticos estetas. Nela, nas suas curvas nunca turvas mesmo sob a escuridão de um eclipse lunar, a vida depositaria todo sonhar. E ele, logo ele, era quem tocava o violino principal na orquestra temporal das coxas que levavam ao lumiar.
E assim, de forma assimétrica e similar, Diogo Baltazar e Beatriz juntaram pernas e espermas, bocas e comédias, salivas e clamídias, sevícias perfumadas e dragadas nas drogas que a paixão dá. Serviram-se de afagos e fátuos clamores, cheiraram pós e flores, viveram paixões e amores. Dores? Tiveram dores. E tomaram remédios e chás alucinógenos para tratá-las. Táteis, se tocaram por inteiro, com esmero e tiro certeiro. Conheceram cada milimétrico e tétrico lugar que aos guias, compêndios, tratados e catálogos de anatomia passariam despercebidos. Foram, se furtaram e foram-se. Se foderam e fornicaram como mandam os dez ou doze mandamentos da felicidade. Fizeram pós-graduação na faculdade da carência finda e se doutoraram em escatologia. No todo, doutrinaram as mais carolas beatas da frigidez feminina e os mais estúpidos machos em seus púlpitos de garanhões. Foram mestres e aprendizes. Em restaurantes de estrelas até comeram perdizes.
Um dia, porém, Beatriz cansou de viver feito abelha, a voar e sugar flor murcha e carente de mel, em pleno fel. Decidiu que era hora de recomeçar, de brotar em terra seca, carcomida de comida e prazer fugaz. Queria somente rever o suor que escorria apenas por rever aquilo que logo poderia ser: o toque certeiro, o beijo feito centeio a embebedar a cerveja de álcool e loucura às bicas e bocas cheias de sede e sedentas de querer sorver. O tocar dos seios pelas mãos trêmulas do amante primeiro, o anseio do gozo vadio e derradeiro, no carro a romper estradas e quadras que se deixam para trás. O parar no gole de gim, da tônica que o novo amante bebe feito Coca-Cola. Pois Cuba ainda será livre!
Sem Beatriz, Diogo Baltazar voltou a ser o mero ser de azar. Nada mais lhe servia. A esquina ou a rua logo ali, ele não via. Nem sequer antevia a ressaca que batia mais forte do que a mesma das ondas no mar. Litros e litros, postes eletrificados e santificados a lhe segurar da queda certa, limites entre a loucura e a lucidez, nada se comparava a perder a tez de Beatriz diante de seu rosto. Torto, cambaleante, infante de si mesmo, pecador de um confessionário ordinário que era o banheiro do bar mais fétido de qualquer lugar, Diogo Baltazar seguia na tragicômica e icônica estrada que traçou para si. Picardia tardia de uma efeméride que fez realidade da vida, não pensava em mais nada. Melhor logo morrer. Até que numa madrugada, dessas tragada na desilusão de asfalto infausto onde se cai bêbado em bênção, ele viu Violeta, nome de flor, crente de cabelos longos e ensebados que saía da igreja “O Senhor é Primeiro”. Foi amor à primeira vista estrábica em cataratas fluídas esbranquiçadas, senão. Logo chegou na frente dela e disse, resoluto e vendilhão: “Quer casar comigo?” Ela, com sua Bíblia encardida e nunca lida, disse logo sim.
Hoje, Diogo Baltazar é funcionário público, evangélico e famélico de viver. Volta e meia, no meio da inócua volta, lembra de Beatriz, atriz principal de um musical sensacional na Broadway dos EUA. Ela se casou com um produtor norte-americano de talento. Teve um filho de rebento e ligou as trompas para não atrapalhar mais a carreira. É pop star internacional. Seu nome artístico é Beatrix do Mix. Mas Diogo Baltazar não tem tempo para ouvir ou ver isso. Seus oito filhos, vindos graças ao bom Deus e a fertilidade de Violeta, esperam que ele possa lhes prover de alimentos reais, substratos da falência total. Na volta da feira dominical, ele deixa na mesa da cozinha um tanto de verduras, legumes e lágrimas a sobrar. Do quarto, a sua nova e velha flor marital diz apenas “Dô, estou fértil! Deus disse crescei-vos e multiplicai-vos!” Ao ser fulminado de si só resta ao Criador obedecer. Dos seus solhos caem gotas de sangue. E milagre não há. Outro rebento logo irá arrebentar.
domingo, 11 de maio de 2025
Aulas de jazz com Jessica Wiliams *
sexta-feira, 9 de maio de 2025
Funk Como Le Gusta
Por Ronaldo Faria
Ferdinando, no comando de sua vida, como manda o livro de regras da sobrevivência e da subserviência letal, senta na mesa do bar e começa a falar tresloucadamente o que vem e vê na sua mente. “Silêncio, silvo de cobra, obra inacabada, foda na malfadada fada, febre sem termômetro alto, salto no precipício que o prepúcio nos dá, drama misturado com qualquer lugar, Leocádia e Dagmar.” Quem o ouvia diria logo que é um louco desvairado, desses que fugiu há pouco do hospício e escalou o frontispício pra cair de cabeça no asfalto logo depois. Entretanto, no tanto que delirava soltava também frases desconexas e complexas. “Se Einstein tivesse razão, não haveria no universo em reverso lugar para o tesão. Sem discussão, seu bando de cuzão!”
Quem o via ou ouvia já sabia que o Samu logo iria chegar. “Coitado, transtornado desse jeito, o sujeito deve ter saído de um bordel que cobrava os olhos da cara para liberar os ‘olhos’ do lugar”, pensou o garçom maçom. Para outros, Ferdinando só podia ser um malandro que viu os meandros dos seus planos desandarem andares abaixo no arranha-céu da dor. “Isso é coisa de quem está com o coração cravejado de filigranas de findo amor”, disse a senhora que na penhora da vida devia até as calcinhas no eterno torpor. Mas, como a noite e a madrugada são tragadas nos tragos de um Martini ou de um licor, aos poucos as pessoas deixaram Ferdinando ao seu desmando. O mundo tem mais coisas a se preocupar. Nas mesas é preciso curtir cada centavo dado. Amanhã, quando o sol devorar o luar, os poetas e profetas verão o inferno, por fim, proliferar. Em derredor, sugam os resquícios de ar.
quarta-feira, 7 de maio de 2025
A unha
Por Ronaldo Faria
Atônito com a pergunta, o porteiro nordestino, que saiu do meio da caatinga e caiu na catinga da Capital por um mero destino, não soube responder. Na verdade, ele estava ali só pelos míseros reais que caíam em seus bolsos rotos e rasgados a cada fim de mês. Logo, que cada um dos condôminos se virasse com seus cada quais.
Sem resposta posta, Amália sobe as escadas do prédio. O elevador, no seu eterno tédio, estava quebrado. Do apartamento 203 saía o som de um tango. Gardel gritava que era preciso viver por uma cabeça. A dela, porém, há muito só servia para ligar os fios de cabelo ao pescoço. Extenuada, depois de subir onze andares e vários minutos com trajes diminutos, abre a porta. Se joga no sofá de chenille marrom, larga o corpo quase roto e descobre que é hora de tentar dormir. Levanta, vai até o banheiro e pega comprimidos espremidos num frasco de tranquilizantes comprados na promoção. Toma oito para garantir uma boa noite de sono.
No dia seguinte, quando a moça do tempo na tevê diz que um novo recorde de calor será batido graças ao El Niño, o corpo de Amália é encontrado caído no meio da sala, sem vida para sentir o calor ou se ressentir da dor. Quem o encontrou? Calixto, que tinha a chave do apartamento, resolveu voltar para pedir um empréstimo porque o seu cacau tinha se derretido no jogo do bicho. Na rua, encruada e largada nos pingos de suor dos trabalhadores e atores da vida, uma pomba caga na cabeça do guarda que guarda o local até o carro do legista chegar. Feliz de tudo, contudo, o vendedor de picolé vibra com o seu lucro. Ia vender todo o carrinho sem precisar sequer chegar no viaduto.
terça-feira, 6 de maio de 2025
Billie Holiday, a dama em cetim*
segunda-feira, 5 de maio de 2025
Na pele, a brotoeja da peleja
Por Ronaldo Faria
-- E não é isso que é bom? Como diz o poeta, uma metamorfose ambulante. E ululante!
-- Pode ser, desde que para o Flamengo não deixe de torcer...
-- Ô português dos Açores, cure nossas dores. Desce mais!
Na velha máquina de fichas a tocar CDs, um chorinho diz que nada é maior do que o amor por você.
-- Tem dó, quem pode dizer algo assim?
-- Talvez alguém que acredita em destino e peleja para que tudo vire certeza um dia.
-- Esse é um tonto. Vai morrer que nem veio ao mundo: cheio de brotoeja!
Na tevê que está pendurada detrás do balcão, o rubro-negro leva uma sova do Fogão.
-- Mas aí já é merda demais para essa noite!
-- Calma, como disse a freira da catedral toscana, nem sempre se ganha!
-- Caguei pra trocadilhos. E se quiser um: pau no cu dos seus fundilhos!
E aí, no logo mais perspicaz que a prosopopeia faz quimera de poeta loquaz, o empregado pregado na cozinha grita que vai apagar o fogão.
-- Até você, Paraíba? Vai tirar sarro tomando formicida!
-- Calma, mano. Foi só uma derrota. Na próxima a gente faz samba dessa nota.
-- Quer saber, talvez você tenha acertado a canção. Vamos voltar a falar do Humberto, aquele vacilão. Foi no churrasco, com as carnes contadas porque ele só comia folha picotada, e devorou metade da churrasqueira. Ou seja, neguinho que ajudou na vaquinha ficou pistola com razão.
-- É. Mas ainda bem que ele voltou pro grupo. Achei que se ele continuasse igual ia encontrá-lo plantado num vaso a dividir espaço com vidro de colorau.
-- Já pensou ele servido como salada?
-- Ia fazer vomitar até a Salete, nossa fada.
Da caixa registradora, Adamastor se relata: “Moçada, a festa acabou! Amanhã tenho que ir logo cedo na Ceasa!”
-- Pelo menos sai a última?
Com a presteza de quem tem pressa para fechar ela logo chegou.
-- Agora, só de sacanagem, vamos enrolar pra tomar e pagar...
-- Melhor não, amanhã vamos ter de acabar voltando pra cá.
-- É justo. Afinal, vai que ele diz que a cerva está no final...
-- Ou nos serve só garrafa quente...
Indulgente, o tempo finda ao seu casual. No The End, os letreiros mostram que o técnico pediu desculpas pelo vexame e disse que foi tudo circunstancial. No próximo mês, milhares de caixas de Brahma ou Eisenbahn cairão na sua conta feito cifrão.
sábado, 3 de maio de 2025
Choramingando no choro
Por Ronaldo Faria
O lampião aceso, com odor de
percevejo queimado pela luz, ilumina a cena da praça e do coreto. Valfrido,
mítico tocador de violão, chora quieto. Seu choro sai baixinho, com direito a se
escutar os relâmpagos que surgem no negror. Nalguma tipografia clandestina a
hipocrisia da Corte está sendo descrita. Se tal escrita chegará em pasquim aos
raros leitores alfabetizados, saber-se-á. Do alto de um sobrado, Faustina espera
o pai ir dormir para a seresta que o seu amado lhe prometeu. “Mesmo com esse
tempo a prometer chuva e lamaçal no seu chegar, ele virá” – pensa a jovem no
seu virginal penhoar. Mas o seu consorte, infausto ser que se perde nas
tabernas entre as pernas das moçoilas que se vendem a vinténs, está largado a
ver lágrimas baterem nos degraus do coreto. Agora, nem um minueto o fará lembrar
da promessa. Certamente, insone e descrente defronte da rua encharcada de tudo que
desceu morro abaixo, Faustina será apenas uma donzela frágil, sem rima.
Um pouco distante, no
matadouro do lugarejo, um porco dá seu último respiro de dor. Suas tripas caem
na gamela. Seu sangue deixa retinto o chão de tijolos queimados. Um pouco mais
de tempo e estará na venda ou na feira antes de ferver nas panelas de barro.
Seu novo cheiro, cercado de temperos e esmero da mucama, irá se sobrepujar ao
da lenha que chora num crepitar de cor brilhante e pujante. Chegará à mesa dos
comensais com a destreza da receita para ninguém reclamar da falta de sais. Irá
forrar estômagos e, nas sobras, aliviará a fome daqueles serviçais que não têm
com o que sonhar. Seus ossos, atirados ao léu, irão virar manjar aos cães das
ruas. E seu destino estará feito. Com rabo, orelha e focinho...
Mas e Valfrido e sua Faustina?
Que infausto destino o mundo lhes dará? Na pequena igrejinha (na redundância de
sua pequenez), o sacerdote conta o dote que o barão, morto e enterrado, deixou
à irmandade. “Devia ter buscado servir a Deus numa melhor cidade”, pensa o enviado de Deus. Com as
portas abertas, aos poucos velhas beatas, com seus véus sujos e encardidos de promessas
vãs, se sentam para ouvir as palavras divinas. A maioria, já surda pela
idade, se satisfará em comer a hóstia. E todas voltarão para suas casas irmanadas
como filhas de Maria. Menos Isaltina. Essa tentará mais uma vez, em vão, sentir
o padre fungando no seu cangote. Ele, porém, tem mais o que fazer na sacristia.
A balançar o incenso está Desidério, o coroinha. Assim, na ignóbil fé das
verdades que permeiam livros sagrados, o ágrafo parágrafo que diz que a verdade
é coisa de cada um no seu quadrado.
Mas e Valfrido e sua Faustina? Que infausto destino o mundo lhes dará? Devagar, o sol surgiu ensimesmado e redondo para expulsar as poucas nuvens negras que teimavam em lavar o chão encharcado e enxaguado. No aguardo inútil e fútil, a formosa dama, ainda virgem e carente, dorme num sono que não há gente que a desperte. Já seu poeta e esteta, depois de encher de tristeza a escadaria sombria do coreto, decide ir para baixo da janela da petiz já mulher. Mas, para azar o seu, Major Clemêncio, já desperto e com seu revolver à mão, sem clemência o expulsou a tiros do local. “Se voltar aqui eu prometo te acertar e, depois de catar o seu corpo morto, arrancar os bagos e dar para o bicho que quiser comê-los!” Passada a cena, a jovem apaixonada, agora acordada, teve a notícia de que estava prometida a Galhardo, filho de um conde de título comprado mas que tinha a galhardia de um nunca bastardo. Sem poder sequer contestar, calou-se e foi para seu quarto chorar. Já o antigo e nunca apaixonado no aguardo, que fugiu dos tiros como um tornado, desagua a certeza de estar vivo na casa de Filomena, a amena dona do bordel fatal. No derredor, há quem diga que tudo está melhor...
quinta-feira, 1 de maio de 2025
“Bota na tua cabeça que isso aqui vai render” (Ou à Letrux)
Por Ronaldo Faria
Translúcido no púlpito da igreja forrada de bancos de madeira, imagens de santos e orações fálicas, o padre ora pela salvação dos transeuntes que passam depressa pela rua na pressa de quem sabe que o próximo minuto será menos um. Nas praças prosaicas se misturam mães, babás, bebês e bêbados largados nos bancos. Os cheiros de almoço futuro permeiam tudo. Haverá peixes fritos, linguiças picantes, bifes e fritas, feijão por cima ou debaixo do arroz. Teremos também sinas insolúveis: “Odeio jiló, você sabe! Quer me foder ou se separar?” No final, uma xícara de café solúvel. Sofrível, um solilóquio se fará de duas vidas. Para quantificar tudo que acontece no lugar, somente o ganido do cão abandonado pelo tutor.
Nos pudores da Tijuca, tragicômica pantomima de um passado desgarrado da sina, Germano lambe Alice, mas se pensa no meio das pernas de Doralice. A se entregar ao furor do sabor do sexo e volatilizar sua solidão sem nexo por onde for. A migrar de cinema em cinema, nas sessões ininterruptas e góticas, a chupar dropes de anis ou hortelã. Em casa a sua avó tenta terminar o cachecol de lã. “Mas o que é correr entre máquinas do elevador emperrado depois de subir paredes feito lagartixa com medo da morte?” Na esquina o pipoqueiro deixa o pipocar do grão do milho estourar no desejo de quem ainda enseja o ensejo derradeiro. Sorrateiro, o pivete apenas espera alguém marcar ao tirar a carteira do bolso para pagar. No céu, o sol sombreia a pereira que resiste no quintal da casa que pede para não cair. Nela, um cacho, maduro, espera algum dente lhe mostrar que valeu brotar...
terça-feira, 29 de abril de 2025
Sim e não
Por Ronaldo Faria
-- Sim e não. É foda, mas quem disse em sã consciência que foda é ruim? Além disso, quem foge do seu destino, dizem, é um fraco. Logo, que possamos cair lutando.
-- Tem razão. Deoclécio, manda mais uma, daquelas de canela de pedreiro...
Os amigos, triviais seres fortuitos, se jogam à resenha feito mulher prenha de primeira vez a tirar as dúvidas com o obstetra. Na destrambelhada avenida que corre na noite que permeia o lugar, gente trafega e se esfrega na retreta ofegante de um lumiar.
-- Dizem que o dia amanhã vai nascer mais cedo.
-- Não creio. Por quê?
-- Só pra dizer que mais um dia soube raiar. Nos raios de sol ou fim do luar...
-- Desde quando você virou poeta?
Fabrício tinha virado escriba do amor desde a chegada de Maria na sua vida. Morena de olhos com cor de marrom claro feito barro lavado de chuva matinal, dessas que mata a sede das árvores sedentas de vida, ela tinha refeito seu desejo de viver.
-- Sabe, Porfírio, a rima e a poesia surgem assim: botam pra foder a cabeça da gente, de repente, num rompante ou num repente, e brotam feito planta invasora de vaso, pilantra da botânica.
-- Sei. Coisa de nordestino perdido em São Paulo.
-- Pode ser. Pau de arara também encontra o galho onde botar o seu ninho.
-- Com certeza. Afinal, ovos têm que se colocar nos cestos...
-- Se bem que eu prefiro os cor de rosa. Deoclécio, manda ver dois ovos coloridos que vão apodrecer aí!
Numa mesa logo perto, um desafeto da vida espera que a chuva desabe torrencial, feito juízo final. A felicidade dos outros é limiar sob um fio. A esse, até mulheres que se vendem teimam em chamar de tio. Fim de carreira. Como solução da cisão, carreiras batizadas de gesso ou farinha na farinha pura são a solução nos soluços solitários da falsa orgia.
-- Me diz, de verdade, tem coisa melhor do que um amor?
-- Tem. Dois!
-- Aí não tem coração que aguente...
-- Mas não é quando o coração para que a gente morre? Então que se morra de paixão.
Os dois, calejados na vida, com seus cajados quase gastos de tanto buscar o lado certo da metade de uma laranja lima, agora só divagam e vagam nas vagas que levam as caravelas com suas velas rasgadas na busca de um porto que nunca se revela.
-- Acho que já deu...
-- Sério?
-- Amanhã tem trampo. Hora de pegar o trem lotado, virar sardinha sem óleo, que esse está custando caro.
-- Então valeu. Deoclécio, fecha a comanda!
Ao comando da voz, o ensimesmado dono do bar traz a dolorosa.
-- Tem certeza de que a coisa de servir duas e marcar três não virou?
Deoclécio nem responde. Recoloca o pano de prato no ombro e vai em direção ao balcão.
-- Se tiver dúvida da minha honestidade, não pague. E vá se juntar à sua mãezinha...
Conta paga, os amigos caminham trôpegos e voláteis pela rua encruada na metrópole atropelada pelo tempo. Quando o novo dia chegar, quando o cartão bater no som da fábrica que fabrica luxo para o patrão, eles seguirão seu destino como a dúvida entre o sim e o não. Mas, quem foge do seu destino, diria o senhor da eternidade, no depois e após das nuvens claras, puto da vida de nada ter ensinado: “Não fode!”
domingo, 27 de abril de 2025
Tony Bennett desplugado *
sexta-feira, 25 de abril de 2025
Destino em desatino
Por Ronaldo Faria
-- Não sei. Acho que eles inspiram. E expurgam nossos pecados. Se é que eles existem no amor. Pra mim, não há nada a se arrepender quando o destino junta dois e decide nunca deixar largar de mão a estrada desconjurada que segue lado a lado, mesmo que em direção oposta.
-- Tudo como uma aposta da vida?
-- Acho que não. A posta do peixe que nada na correnteza contrária e pega uma calmaria ou tempestade está na mesa de qualquer jeito. Destino em desatino... não aposta.
-- Parece fácil falando assim.
-- Mas quem falou que seria fácil? Os grandes romances, os épicos, os que valeram história, livros e peças, são um enrosco só. Quase uma tragédia, não terminassem bem. Pode demorar o tempo que for, mas a coisa se ajeita. De um jeito ou de outro, tudo se ajeita. Difícil, talvez. Impossível, nunca. Feito beijo na nuca.
-- Torço por isso.
-- Não precisa torcer. Sabe aquele ditado de o que é do homem o bicho não come? Pois é a mais pura verdade. Ele vence tempo, ausência e saudade. Mas finda em chegar no lugar.
-- Espero, de coração aberto, que sim.
-- Pois será...
O casal, no seu castelo de sonhos e realidade, desses que se constrói com cada pedra de beijos longos, longas noites, longínquas falácias que a vida dá, amores de camas e sofás, pés na areia e no asfalto, entre entremeios de vozes e meios escritos de tinta em rotativas que escorrem histórias e histriônicas crônicas que só quem ama sabe contar está, a saber. Na solidão que põe os dois em portos opostos, a solicitude da atitude que deixa o tempo, em ampulhetas, sorver o que tiver de ser, até a hora chegar.
-- Quer outro vinho?
-- Prefiro um beijo, com gosto de vida...
No apartamento pequeno, largado entre outros tantos apartamentos igualmente diminutos, vivem seus minutos em fim de tormento. A paz se transborda de carícias e gozos, num unir que se mastiga feito pimenta ardida, coisa urdida para sempre ficar. De mãos dadas e entrelaçadas, na caçada de entrega ao outro, dois rostos se entreolham em olhos sedentos pelos dentes que as línguas lambem sem fim. Do lado de fora, no aforismo final, outros tantos casais tateiam as ruas escuras na esperança de que um pedaço do amor dos dois tenha escorrido pelo ralo para onde escorrem canções e unções que habitam seus corações.
Com os Paralamas do Sucesso e a porra de uns óculos que não dão pra ver a tela direito
Por Ronaldo Faria Óculos trocado porque o outro estava embaçado. Na caça da catraca de continuar a viver ou da contradança do crer vai ag...

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